Covid: o que virá com o fim da emergência sanitária?
O encerramento da Emergência Sanitária por conta da Covid-19 pode afetar ao menos 168 normativas que estão vinculadas à fase emergencial criada para combater a doença. Mas o número pode alcançar mais de 2 mil. Entre elas, regras sobre vacinas e medicamentos com autorização emergencial, benefícios trabalhistas e facilidades de compras públicas. O artigo a seguir de Gabriela Leite foi publicado originalmente no porta Outra Saúde.
Com o anúncio de Queiroga sobre o encerramento da fase emergencial, ao menos 168 medidas serão afetadas. Entre elas, a capacidade dos estados de agir de forma rápida para conter surtos. Especialistas denunciam uso político da pandemia
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, declarou na noite de domingo (17/4) o fim à emergência sanitária provocada pela pandemia de covid-19. Espera-se que até quinta-feira a pasta publique um ato normativo para encerrar a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), portaria publicada em 2020. Durante pronunciamento em que fez o anúncio, Queiroga elogiou cinicamente a força do Sistema Único de Saúde (SUS) – apesar do desfinanciamento e inúmeros esforços para desmontá-lo – e as vacinas – alvo de ataques por Jair Bolsonaro durante todo o ano de 2021.
Na prática, o encerramento da Espin pode afetar ao menos 168 normativas que estão vinculadas à fase emergencial. Mas o número pode alcançar mais de 2 mil. Entre elas, regras sobre vacinas e medicamentos com autorização emergencial, benefícios trabalhistas e facilidades de compras públicas. O ministério enviou um ofício à Anvisa para pedir que a agência estenda por um ano o uso emergencial de fármacos que ajudam na contenção da doença. A CoronaVac é o único imunizante que tem autorização apenas em caráter provisório para o uso – mas a pasta solicitou que seu uso seja estendido apenas a crianças e adolescentes de 5 a 18 anos. Espera-se que haja uma fase de transição de ao menos 30 dias.
Embora o Brasil já tenha mais de 75% de sua população devidamente vacinada e os números de casos, internações e mortes estejam baixos, especialistas e entidades da Saúde levantaram-se contra o modo abrupto com que foi tomada a decisão. Entre eles estão o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), que divulgarão, hoje, uma nota pública criticando a decisão. Em entrevista ao Globo, Nésio Fernandes de Medeiros Júnior, secretário de Saúde do Espírito Santo e presidente do Conass, mostrou preocupação em relação ao fim da emergência sanitária e seus impactos aos estados e municípios.
Nésio explica: “Quando surge uma nova onda, nós temos que decidir rapidamente, por exemplo, a mudança do perfil de hospitais do dia para noite”. Quando a Espin for levantada, essa agilidade se perde. Caso surja alguma nova variante de preocupação, como aconteceu recentemente com a ômicron, não será possível responder de maneira rápida. Por isso, alerta Nésio, o ministério precisa deixar claro se a emergência poderia ser posta em vigor novamente e em qual situação ela poderia se aplicar.
De maneira geral, falta clareza na decisão do ministério da Saúde. “Nós não temos, dentro de um plano de retomada dessas atividades, uma proposta concreta do Ministério da Saúde para o financiamento pleno tanto das linhas de cuidado do pós-Covid como também das outras condições (como cirurgias e procedimentos oncológicos) que se tornaram represadas ao longo desses dois últimos anos”, continua o secretário. O Conass pede que a fase de transição respeite um período de 60 a 90 dias, para que os estados e municípios tenham tempo para se reorganizar.Há ainda acusações de que decretar o “fim da pandemia” no Brasil seja uma medida política de Bolsonaro, que busca reeleger-se à presidência. Uma das pessoas que criticam essa precipitação é o médico sanitarista Gonzalo Vecina. “Essa foi uma medida exclusivamente eleitoreira, respondendo às necessidades eleitorais do presidente da República, que se afastou da decisão de governar o Brasil durante esses dois anos, redundando em 660 mil mortes”, disse ao UOL. Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde, também mostrou revolta com a decisão: “Um governo responsável por centenas de milhares de mortes, por milhões de pessoas que adoeceram […] é algo que não podemos mais tolerar”. Ele anunciou que o CNS deve manifestar-se a respeito nos próximos dias.