Mutação no vírus da hepatite C pode favorecer surgimento de câncer no fígado
Por Isadora Marinho/ Comunicação – Instituto Oswaldo Cruz
Estudo identificou pela primeira vez a recorrência de mutação no vírus da hepatite C em pacientes brasileiros e pode ser um novo marcador precoce de câncer de fígado
Meio milhão de pessoas são diagnosticadas com câncer de fígado – hepatocarcinoma – todos os anos no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No entanto, cerca de 80% delas, a despeito da distância geográfica, cultural e genética que as separam, têm algo em comum: apresentam hepatite viral crônica, causada pela persistência da infecção pelos vírus das hepatites B ou C. No entanto, os fatores virológicos relacionados ao desenvolvimento do câncer de fígado ainda não estão esclarecidos. Dispostos a investigar esta relação, pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ) estudaram pacientes crônicos com e sem câncer de fígado. O estudo apontou pela primeira vez a recorrência de uma mutação no vírus da hepatite C (HCV) em pacientes brasileiros, que pode ser usada para predizer o desenvolvimento deste câncer.
A pesquisa, publicada na revista científica Journal of Medical Virology, analisou 106 pacientes infectados com o HCV. A mutação, denominada R70Q, foi identificada no grupo de pessoas que também apresentavam câncer de fígado. Dentre os pacientes infectados com o genótipo 1b do vírus, tal mutação foi encontrada em mais de 50% dos pacientes com cirrose, estágio da doença que precede o surgimento do câncer, e com câncer. Já dentre pacientes sem câncer e sem cirrose, menos de 10% apresentavam a mutação. O estudo, desenvolvido pelo Laboratório de Virologia Molecular do IOC, é parte da dissertação de mestrado defendida por Oscar Rafael Carmo Araújo, atual doutorando do Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária do Instituto.
Marcador precoce de câncer
De acordo com a pesquisadora Natalia Motta de Araujo, coordenadora do estudo, a mesma mutação já havia sido identificada no Japão – no entanto, esta é a primeira vez em que é identificada em cepas do vírus que circulam no Brasil. “A hepatite C é a principal causa de hepatocarcinoma nestes dois países. Pesquisas anteriores apontaram que a infecção crônica pelo HCV é responsável por 54% dos casos deste câncer no Brasil”, diz.
Natalia espera que os achados ajudem, em um futuro próximo, a identificar entre os pacientes crônicos da hepatite C quais possuem riscos de desenvolver cirrose e câncer, contribuindo, assim, para o acompanhamento rigoroso dos pacientes. “Para verificar a presença da mutação, basta isolar o vírus da amostra de sangue e realizar seu sequenciamento genético. Embora um número limitado de laboratórios no Brasil esteja equipado com a tecnologia necessária, descobertas como essa podem inspirar mudanças nos protocolos utilizados atualmente para o diagnóstico e tratamento dos pacientes”, afirma.
Próximos passos
Os benefícios poderiam ser impactantes: segundo a Cancer Research UK e a American Cancer Society, a cura do câncer de fígado ocorre em apenas 15% dos pacientes. Por ser uma doença de progresso rápido e silencioso, o diagnóstico do hepatocarcinoma costuma ser feito em um estágio avançado. Por esse motivo, trata-se da terceira causa mais frequente de mortalidade por câncer. Nos Estados Unidos, o câncer hepático em decorrência de hepatites virais é uma das causas de morte por câncer que mais vem crescendo nos últimos cinco anos.
Os próximos passos do estudo serão tema da tese de doutorado de Oscar, orientado por Natalia. Desta vez, o objetivo será avaliar fatores genéticos e epigenéticos do paciente e suas contribuições para o eventual desenvolvimento de câncer. “Na verdade, o desenvolvimento de câncer no fígado é resultado de um acúmulo de múltiplas condições negativas”, ressalta Natalia. Além da mutação identificada pelo grupo, podem influenciar, também, fatores como a carga viral, o estilo de vida do paciente e seu perfil imunológico, por exemplo.