Os primeiros mil dias

Correio Braziliense – 15/10/2012

A fase que vai da gestação até os 2 anos é essencial para a saúde da criança. Atenção especial deve ser dada à alimentação, à vacinação e ao desenvolvimento motor

– A notícia de uma gravidez traz uma mistura de sensações, que vão da felicidade à ansiedade, com espaço para muitas dúvidas sobre qual é a melhor maneira de garantir que o bebê chegue ao mundo com saúde e, depois do nascimento, se desenvolva de forma plena. Os pais devem compreender que a forma como a criança será cuidada vai refletir no adulto que ela se tornará física, mental e socialmente. Entre essas duas fases da vida, há a adolescência, período delicado e ainda pouco compreendido, mas mesmo assim fértil para receber boas influências. Enxergar em um bebê tão pequeno um ser em constante formação e transformação é importante para que ele tenha as melhores chances de ser feliz. Esta série de três matérias que se inicia hoje procura abordar os cuidados mais relevantes que devem ser tomados desde a primeira infância até a adolescência, com o objetivo de ajudar os pais na fascinante aventura de guiar os filhos durante seu desenvolvimento.

Recentemente, cerca de 7 mil especialistas pediatras se reuniram no Rio de Janeiro para a 69ª edição do Curso Nestlé de Atualização em Pediatria, evento realizado em parceria com a Sociedade Brasileira de Pediatria. No encontro, foram destacados os novos desafios impostos à criação dos pequenos nos dias de hoje. Médicos, familiares, cuidadores e educadores precisam estar atentos às mudanças de cenário. Maior renda, mecanização e industrialização, a melhora do acesso ao alimento, a urbanização e a globalização de hábitos não saudáveis estão produzindo uma rápida transição nutricional e de comportamento.

“Diversas pesquisas brasileiras evidenciam os fatores de impacto na epidemiologia de transição da saúde maternoinfantil, da criança e do adolescente e alertam para mudanças profundas e novos desafios”,diz Maria Marluce dos Santos Vilela, professora e pesquisadora do Centro de Investigação em Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). De acordo com ela, fatores como a universalização da assistência médica pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a melhoria no projeto nacional de vacinação, o aumento do aleitamento materno em menores de 1 ano e o monitoramento do crescimento e desenvolvimento das crianças contribuíram para romper o círculo vicioso de doenças e de desnutrição.

Porém, mudanças demográficas no ambiente infantojuvenil, como o aumento do número de famílias com pais separados ou que trabalham fora, a terceirização dos cuidados com a criança, o aumento das doenças crônicas (como obesidade, hipertensão e diabetes) e a explosão de tecnologias são extremamente impactantes. “Muitas doenças e agravos não transmissíveis do adulto podem ter origem na vida fetal ou na infância, e as doenças infantojuvenis estão mais semelhantes às dos adultos. São necessárias, então, novas abordagens de prevenção das doenças e respostas sociais aos novos problemas de saúde da criança”, acrescenta Marluce. É nesse sentido que surgem movimentos como o da puericultura, que reconhece que a criança precisa ser cuidada dentro de padrões científicos para se tornar um adulto saudável.

Ritmo acelerado

A cada ano, nascem no Brasil cerca de 3 milhões de crianças. Os primeiros mil dias — período que vai da gravidez até os 2 anos de idade — são considerados únicos para o desenvolvimento infantil. Especialmente o primeiro ano, é marcado pela aquisição de habilidades motoras num dos ritmos mais acelerados de toda a vida. Além de crescer e triplicar seu peso, o bebê aprende a sustentar a cabeça, sentar, ficar de pé, engatinhar e andar sem apoio. E isso tudo depende da interação com o mundo e com as pessoas que o cercam.

A chegada de um recém-nascido é o momento mais difícil, especialmente para pais de primeira viagem. Para tornar a experiência mais tranquila, Mariana Poggiali, da Sociedade Mineira de Pediatria, sugere que as gestantes façam consultas pediátricas frequentes. “Elas devem contar com um pediatra de confiança, que poderá orientar sobre a amamentação e o comportamento do recém-nascido.”

A saúde do feto no primeiro trimestre de gestação vai depender da condição nutricional materna antes da gravidez, em relação às reservas energéticas e de vitaminas, minerais e oligoelementos. Outra orientação importante é quanto aos exames que um recém-nascido (considerado assim até o 28º dia). O teste do pezinho detecta precocemente doenças metabólicas, genéticas ou infecciosas, e é feito por volta do quinto dia.

Já o exame do olhinho é feito na maternidade, com o objetivo de verificar se há alteração na estrutura ocular que possa antecipar problemas futuros. Por fim, o teste de triagem auditiva é realizado no primeiro mês para avaliar a audição do bebê e, caso algum problema seja detectado, já instituir um tratamento com chances de aumentar a qualidade de vida da criança, já que disso depende o desenvolvimento cerebral.

Quanto às vacinas, a melhor ferramenta para acompanhar o calendário é a caderneta de saúde da criança. O livreto, encontrado no SUS e em clínicas e hospitais privados, tem caráter de documento e deve ser levado a todas as consultas pediátricas, que devem ser realizadas na primeira semana e mensalmente no primeiro ano de vida. Em relação à alimentação, os médicos ainda lutam contra o chá e a água que muitas mães insistem em oferecer aos bebês. A indicação da Organização Mundial de Saúde, seguida pelo Ministério da Saúde, é de que o leite materno seja o alimento exclusivo até os 6 meses. Depois disso, a introdução de alimentos complementares deve ser orientada de forma que a criança caminhe para uma dieta adequada até os 5 anos, em que entra na fase pré-escolar.

» Especial pediatria

Nutrição saudável

» Se possível, dar somente leite materno até os 6 meses, sem oferecer água, chás ou qualquer outro alimento.

» Quando o bebê completar 6 meses,introduzir de forma lenta e gradual outros alimentos, mantendo o aleitamento materno. Os alimentos complementares (cereais, tubérculos, carnes, leguminosas,
frutas e legumes) devem ser dados três vezes ao dia, se a criança ainda estiver em aleitamento materno.

» A alimentação complementar deve ser oferecida de acordo com os horários de refeição da família, em intervalos regulares e de forma a respeitar o apetite da criança.

» Esse complemento deve ser espesso desde o início e oferecido em colher. Iniciar com consistência pastosa (papas ou purês) e, gradativamente, aumentar a consistência até chegar à mesma alimentação da família.

» Estimular o consumo diário de frutas, verduras e legumes nas refeições e evitar açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos e outras guloseimas nos primeiros anos de vida. Usar sal com moderação.

Fonte: Caderneta de saúde da criança do Ministério da Saúde (MS)