Os robôs não nos invejam mais
Eliane Brum – Revista ÉPOCA
Livro mostra que, diante das classificações psiquiátricas, seríamos todos “doentes mentais” e alerta para a medicalização da vida cada vez mais cedo – transformando o ser humano da pós-modernidade numa espécie de “homo automaticus”
Os primeiros robôs da ficção tinham um conflito: eles eram criados e programados para dar respostas automáticas e objetivas, mas queriam algo vital e complexo. Em algum momento, às vezes por uma falha no sistema, eles passavam a desejar. E desejar algo que lhes era negado: subjetividade. Condenados às respostas previsíveis, revoltavam-se contra a sua natureza de autômato. Humanizar-se, sua aspiração maior, significava sentir angústia, tristeza, amor, raiva, alegria, dúvida e confusão. Os robôs da modernidade queriam, portanto, a vida – com suas misérias e contradições. Ao entrar em conflito e ao desejar, os robôs já não eram mais robôs, mas um algo em busca de ser. Um ser humano, portanto. A partir desta premissa, grandes clássicos da ficção científica da modernidade foram construídos, como O Homem Bicentenário, de Isaac Asimov, que depois virou o filme estrelado por Robin Williams.
Hoje, a pós-modernidade nos encontra em uma situação curiosa: os humanos querem se tornar robôs. Cada vez um número maior de pessoas se oferece em sacrifício, imolando sua vida humana, ao deixar-se encaixar em alguma patologia vaga do manual das doenças mentais e medicalizar o seu cotidiano para se enquadrar em uma pretensa normalidade. E assim dar as respostas “certas”.
Para quê? Ou para quem?
Basta olhar ao redor com alguma atenção para perceber que, nas mais variadas esferas do nosso cotidiano, esperam-se respostas automáticas e objetivas. Seja na área amorosa e no “desempenho” sexual, seja no comportamento profissional. Até mesmo dos bebês espera-se que atendam às classificações previstas nos muitos compêndios sobre o que esperar de um filhote humano a cada fase. Vivemos no mundo dos manuais de todos os tipos, difundidos pelo mercado editorial e reproduzidos e amplificados pela mídia, que nos ensinariam um “modo de nos usar”, com o objetivo de alcançar um tipo específico e previamente anunciado de resultado.
Dar respostas automáticas e objetivas diante de situações determinadas nos daria um lugar no mundo dos “normais”. E dos bem-sucedidos, já que hoje a normalidade é determinada por um tipo particular de sucesso. Tornar-se robô na vã tentativa de apagar a subjetividade humana é, portanto, o que uma parte da humanidade ocidental tem desejado para si – e se esforçado para impor aos filhos. E nisso tem a ajuda decisiva da indústria farmacêutica, que possivelmente nunca tenha ganhado tanto dinheiro com psicofármacos como hoje, e de um certo tipo de profissional da medicina que manipula o “Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM-IV)” como uma Bíblia.
A tese acima é o ponto de partida de um livro muito interessante lançado há pouco, chamado “O Livro Negro da Psicopatologia Contemporânea” (Via Lettera). A obra é organizada por Alfredo Jerusalinsy e Silvia Fendrik, dois dos mais brilhantes psicanalistas da atualidade. Mas, entre os nove autores brasileiros, nove argentinos, um mexicano e um francês, não há apenas psicanalistas, mas também psiquiatras, neurologistas e pesquisadores da área da neurociência. Em alguns capítulos a linguagem é árida, e a obra se beneficiaria de uma edição mais rigorosa e cuidada. Ainda assim, o tema é irresistível e a leitura abre muitas janelas de reflexão. Em certa medida, o livro responde às provocações de outra obra, “O Livro Negro da Psicanálise” (Civilização Brasileira), em que a psicanálise é violentamente atacada como “charlatanismo”. Mas, como os autores anunciam – e cumprem – “O Livro Negro da Psicopatologia Contemporânea” não é um mero contra-ataque, o que serviria apenas para empobrecer um dos debates mais relevantes da nossa época. E sim uma excelente oportunidade para discutir com inteligência e profundidade algo que diz respeito a todos nós.
Afinal, não é o caso de demonizar a indústria farmacêutica e a psiquiatria, como se tivessem o poder superior de nos fazer acreditar que os sentimentos e as contradições inerentes à condição humana constituíssem um estorvo dos quais fosse preciso se livrar com a maior rapidez possível. Tampouco radicalizar afirmando que os medicamentos não têm função alguma nem possam representar uma conquista em determinadas situações. É importante assinalar: existem casos em que os remédios são benéficos e podem ajudar a pessoa a sair de um estado de paralisia. E há bons profissionais que são parcimoniosos e responsáveis no seu uso, em geral por tempo determinado e com rigoroso acompanhamento, para que os efeitos colaterais das drogas não se tornem mais nocivos do que o problema que motivou o seu uso. Infelizmente, a realidade nos mostra que esta não tem sido a regra.
Vivemos hoje uma patologização da vida humana e um uso indiscriminado, abusivo e cada vez mais precoce de psicofármacos. A importância deste livro é nos ajudar a compreender o que isso diz sobre a forma como estamos vivendo as nossas vidas, sobre a qualidade do nosso desejo e sobre a lógica socioeconômica que tem movido nosso mundo. Para isso, de nada valeria trocar um dogma por outro. E o livro tem o mérito de não fazê-lo.
Se muitas vezes a ciência é colocada no lugar de divindade e damos aos médicos o poder de determinar como vamos viver – e como vamos morrer –, é porque nós permitimos que isso aconteça. Porque é mais fácil transferir a um outro a responsabilidade por escolhas que deveriam ser nossas. Ainda que seja difícil escapar das engrenagens do mundo, especialmente quando elas enriquecem as grandes corporações, em alguma medida é justo pensar que temos, se não liberdade, pelo menos uma paleta de alternativas. Com todos os riscos que implica escolher contra a lógica dominante.
Por exemplo. Quando os pais levam uma criança que não está dando as respostas “adequadas”, seja em casa ou na escola, a um psiquiatra ou a um pediatra ou a um neurologista ou a qualquer outra especialidade e saem de lá com um diagnóstico e uma receita de psicofármaco, não me parece que estão sendo enganados. Acredito que a ética do médico pode ser questionada. Mas acredito também que os pais, assim como cada um de nós, procuram – e encontram – o profissional que vai dizer aquilo que gostariam de ouvir.
Hoje parece mais fácil para os pais lidar com um diagnóstico de transtorno psiquiátrico e tentar calar seus filhos com medicamentos do que empreender uma travessia que seguramente será mais espinhosa, exigirá tempo e dedicação maiores e poderá levar a respostas impossíveis de prever – quando não a novas perguntas. Da forma como hoje é colocado, o “transtorno” mental aparece como algo que está convenientemente fora, não tem nada a ver nem com o paciente, nem com o funcionamento da família. Sem contar que parte dos pais adora delegar a difícil tarefa de serem pais – e parte dos médicos adora assumir a prazerosa tarefa de ser Deus.
No capítulo intitulado “Gotinhas e comprimidos para crianças sem história. Uma psicopatologia pós-moderna para a infância”, Alfredo Jerusalinsky afirma: “Nos últimos trinta anos, tem havido um deslocamento das categorias nosográficas (de descrição das doenças) para o terreno dos dados. Não se questiona o que quer dizer este ponto, esta palavra ou este gesto fora do lugar. (…) Na trajetória que estamos descrevendo, foi se apagando esse esforço por ver e escutar um sujeito, com todas as dificuldades que ele tivesse, no que tivesse para dizer, e foi-se substituindo o dado ordenado segundo uma nosografia (descrição das doenças) que apaga o sujeito. (…) É assim que os problemas deixam de ser problemas para serem transtorno. É uma transformação epistemológica importante, e não uma mera transformação terminológica. Um problema é algo para ser decifrado, interpretado, resolvido; um transtorno é algo a ser eliminado, suprimido porque molesta. Os nomes das categorias não são inocentes”.
E, mais adiante: “De nossa parte, continuamos sustentando uma psicopatologia interpretativa, o que quer dizer não nosográfica, porque não depende de dados, não depende de sintomas, mas de deciframento. (…) Colocam na cabeça dos pais que eles não têm nada para ver nem entender e, então, eles se comportam como se não tivessem nada para ver nem entender; consequentemente a criança fica condenada aos automatismos mentais. Mas, claro, para eles só existem os automatismos mentais, então o que é preciso é trocá-los por outros”.
Quando as crianças apresentam um comportamento não esperado (esperado por quem e para quê?), a resposta predominante de pais, médicos e professores têm sido não escutar, mas transformar expressões em transtornos porque o que a criança diz, por palavras, gestos ou ações, pode transtornar os pais. E por isso precisa ser calado o mais cedo e o mais rápido possível. Em nome desta lógica, esquece-se de que somos seres dotados de inteligência e são poucos os que se questionam: se nunca houve tantos diagnósticos psíquicos (e, portanto, tantas patologias), se nunca existiram tantos medicamentos disponíveis para tratar essas doenças ou distúrbios, por que o número de casos não para de crescer e estaríamos vivendo verdadeiras epidemias de doenças mentais, transtornos de comportamento ou como queiram chamar essas síndromes que têm se multiplicado como coelhos? Não seria legítimo questionar: então, os remédios não curam?
Se aceitarmos como verdade única que o problema se resume a uma disfunção química no nosso cérebro, alheia ao viver, algo da ordem dos mecanismos fisiológicos, como o desarranjo de um sistema robótico, não bastaria “corrigir” com drogas para ser “curado”? Pelas estatísticas, tão valorizadas e difundidas pela própria indústria, sabemos que não é isso o que está acontecendo. O número de “depressivos”, “bipolares” e doentes do “pânico”, no mundo dos adultos, assim como o número de crianças com “transtorno de hiperatividade e déficit de atenção” e até mesmo com “autismo” não para de crescer. Se os remédios são tão eficazes e os diagnósticos tão fáceis de fazer como aqueles testes que a imprensa costuma publicar, do tipo “descubra se você é depressivo”, os doentes não deveriam diminuir em vez de aumentar? Afinal, sempre que a ciência descobriu a cura ou uma vacina para as doenças, iniciava-se um processo de redução no número de casos até a total erradicação.
Sobre este aspecto, os organizadores levantam uma questão interessante na apresentação da obra: “A ligeireza (e imprecisão) com que as pessoas são transformadas em anormais é diretamente proporcional à velocidade com que a psicofarmacologia e a psiquiatria contemporânea expandiram seu mercado. Não deixa de ser surpreendente que o que foi apresentado como avanço na capacidade de curar tenha levado a ampliar em uma progressão geométrica a quantidade de ‘doentes mentais’”.
Para complementar essa ideia, vale a pena ler a ótima entrevista feita pela jornalista Cláudia Collucci na Folha de S. Paulo de 18 de outubro. Sob o sugestivo título “Estamos dando veneno para as crianças”, Marcia Angell, professora titular do departamento de Medicina Social da Escola Médica de Harvard, critica a indústria farmacêutica por estimular o uso de medicamentos psiquiátricos em pacientes infantis. E também em adultos. Angell diz: “As pessoas creem que as drogas sejam mágicas. Para todas as doenças, para toda infelicidade, existe uma droga. A pessoa vai ao médico e o médico diz: ‘Você precisa perder peso, fazer mais exercícios’. E a pessoa diz: ‘Eu prefiro o remédio’. E os médicos andam tão ocupados, as consultas são tão rápidas, que ele faz a prescrição. Os pacientes acham o médico sério, confiável, quando ele faz isso. Pacientes têm de ser educados para o fato de que não existem soluções mágicas para os seus problemas. Drogas têm efeitos colaterais que, muitas vezes, são piores do que o problema de base”.
O que vale a pena perceber é que ninguém é normal, mesmo. Basicamente porque não há como saber o que seja isso. O que não é razão para sermos todos tratados como portadores de algum transtorno mental desde bebê. Como afirmam Alfredo Jerusalinsky e Silvia Fendrik: “A generalização e multiplicação dos signos psicopatológicos preparam o território para a expansão industrial na fabricação de psicofármacos, que passam a ser consumidos em massa. Nasce assim uma hipocondria dos estados de humor, dos afetos, das dúvidas, dos desejos, das tristezas. As variações mentais e as singularidades pessoais são comparadas com uma média estatística que cria uma medida comum inexistente na realidade. Esse ‘boneco padrão’ subjacente descreve uma ‘normalidade’ definida pela uniformidade. Comparados com ele, viramos todos ‘doentes mentais’”.
A tentativa de classificar toda singularidade como anormalidade pode se tornar uma grande comédia. Em 1992, o psicólogo clínico britânico Richard Bentall propôs em um artigo para o “Journal of Medical Ethics” o seguinte: classificar a felicidade como distúrbio psiquiátrico e incluí-la no manual dos transtornos mentais (DSM-IV). Richard escreveu com grande rigor acadêmico e citou 32 artigos de importantes revistas científicas britânicas. Passo a passo, ele prova que a felicidade é um estado estatisticamente anormal, acompanhado por sintomas como disfunção cognitiva e marcado por uma percepção distorcida da realidade.
Os pacientes afetados por esse distúrbio apresentam um quadro de euforia, sem contrapartida real, podendo resultar em desvantagem adaptativa. Sem contar que há uma relação significativa da felicidade com obesidade e ingestão de álcool. Richard propõe que os psiquiatras busquem tratamento para a felicidade e sugere até um nome para classificá-la como doença mental: “major affective, pleasant type”. A história é deliciosa porque Richard percebeu que, para evidenciar o absurdo que estava – e continua – sendo praticado, só mesmo assumindo o discurso psiquiátrico, mas pelo avesso. Se a tristeza é tratada como uma anomalia que pode e precisa ser curada, por que não a felicidade?
Ao olhar hoje para nós, com seus olhos artificiais, com o que um robô se depararia? Acho que uma das respostas pode ser encontrada em “Wall-e”, a bela animação da Pixar. Aliás, fica uma dica das mais agradáveis: pegue na locadora estes dois filmes sobre robôs, mas de épocas diferentes, “O Homem Bicentenário”, inspirado no texto de Isaac Asimov publicado na década de 70, e “Wall-e”, que recebeu o Oscar de melhor animação em 2009. “Wall-e” é um filme brilhante, “O Homem Bicentenário” deixa a desejar, mas juntos podem ser um ponto de partida interessante para pensar – sozinho, com os amigos ou com a família – sobre as mudanças ocorridas nas últimas décadas na forma de enxergar a nós mesmos.
“O Livro Negro da Psicopatologia Contemporânea” afirma que o ideal pós-moderno é o pensamento simplificado: memória reduzida + seleção de respostas corretas. Dizem Alfredo e Silvia: “Enquanto a cibernética eletrônica procura engenhosamente capacitar seus robôs para responder a questões cada vez mais aleatórias, e até para formular perguntas, nós humanos somos levados a uma ‘padronização’ do controle da ‘mente’. Amparados em padrões diagnósticos cada vez mais amplos – depressão, TOC, Asperger etc –, incluem-se os mais heterogêneos conjuntos de sintomas justificando deste modo a utilização dos mesmos psicofármacos. (…) Em um mundo em que o sujeito se desvanece ao redor da promessa de ter respostas para tudo, curiosamente surgem e proliferam as ‘patologias’ (…). O modelo atualmente proposto substitui o saber pela informação, a falta pela completude, a busca pela resposta ‘já’, a singularidade da diferença pela repetição do idêntico, o enigma do passado e do futuro pela pretensa certeza garantida do presente. O ideal seria que adaptássemos nossa experiência àquilo que, com toda a propriedade, poderia se chamar: Homo Automaticus?”.
Um dos traços marcantes da modernidade é a descoberta de que nossa consciência é apenas uma pequena parte do que somos. Há um vasto mundo inconsciente ou pré-consciente que nos constitui. Assim, não deixa de ser curioso, ainda que bastante lógico, que a partir da descoberta transformadora de que a consciência nem nos governa nem é nosso “eu” total, de repente desejamos nos robotizar para escapar da aventura ao mesmo tempo extraordinária e assustadora que é criar uma vida. Será que o melhor acordo que podemos fazer com nós mesmos é engolir pilulinhas na tentativa de manter um ilusório controle sobre nossa mente e sobre o outro, quando se trata de nossos filhos? Pílula para comer ou para não comer, pílula para dormir ou para ficar acordado, pílula para ter desejo sexual ou para diminuir o desejo sexual, pílula para se acalmar ou para estimular… Como se a condição humana, com todas as suas ambiguidades, pudesse ser reduzida ao mero ajuste de um corpo-máquina.
O crescimento dos distúrbios mentais na mesma proporção das supostas pílulas da felicidade e de outros “ajustadores” da mente mostra que há algo que não fecha nessa conta. Enquanto puder, a indústria farmacêutica vai continuar ganhando com a transformação de qualquer sofrimento em patologia e com a consequente medicalização da vida. E, quando (e se) algo mudar, vão ganhar com outra coisa. Mas nós, nós e nossos filhos, só temos uma vida para viver da forma mais ampla e rica possível. Convém não perdê-la na tentativa de anular a singularidade que nos pertence.
Como dizem Alfredo Jerusalinsky e Silvia Fendrik, os organizadores de “O Livro Negro da Psicopatologia Contemporânea”: “Os robôs não precisam se preocupar, já que hoje em dia parecem ser eles os que encarnam o ideal: sem desejos, sem envelhecimento, sem falhas, com automatismos garantidos para cada situação específica, sem vacilação, tudo positivado em um pensamento ‘positivo’. No entanto, devemos sublinhar que, enquanto aqueles robôs dos anos 1930 representavam em sua rebelião os ideais de um modernismo romântico, os atuais ‘transtornos’, sob suas formas toxicomaníacas, bulímicas, anoréxicas, de padrões sociais de sucesso ou de quimiopsiquiatria, representam a obediência recoberta por um falso manto de liberdade”.
Por mais que tudo nos empurre para a patologização e a medicalização da vida na busca de uma normalidade inexistente, acredito que há algo do humano que resiste, que não é calado e que grita, ainda que dopado. É por isso que a conta não fecha. Porque, por mais que se divulgue a crença – e é neste momento que a ciência se coloca no lugar da religião – de que é possível controlar o sofrimento e garantir a felicidade, a humanidade que mora em nós desmascara essa ilusão dia após dia. E por isso é preciso encontrar uma nova panaceia para dar conta de cada novo “transtorno”.
Se a dor é inerente à vida, ela necessariamente não é algo ruim, mas algo que nos impele a buscar um jeito de viver que faça mais sentido para nós. Se a confusão pode ser infernal no cotidiano, com todas as dúvidas que ela traz, não há como achar algo ou a si mesmo sem ela, para em seguida nos perdermos de novo, porque é assim que alcançamos outros mundos também dentro de nós. A angústia não deve ser silenciada, mas ouvida, porque está nos dizendo algo que nos diz respeito. E, se você for pai ou mãe, é sua a responsabilidade de lidar com as questões trazidas por seus filhos, sejam em forma de palavras, de gestos ou de comportamento. É sua – e não dos médicos – desde que você escolheu ser pai ou mãe – e até que suas crianças progressivamente assumam a responsabilidade pelos rumos da própria vida. E, acredite, a melhor forma de lidar ainda começa por escutar. Escutar de verdade.
É na incompletude, que não se fecha com nenhuma pílula, que talvez possamos, individual e coletivamente, empreender uma busca sem nenhuma garantia, como são todas as buscas, que nos leve a criar uma vida que ainda possa fazer um robô aspirar a uma existência humana.
Eliane Brum é jornalista, escritora e
documentarista. Ela escreve às segundas-feiras.