Decisão do STJ sobre rol taxativo para planos de saúde aumenta o ‘parasitismo’ sobre o SUS

A decisão dessa quarta-feira (8) do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que aprovou por 6×3 o rol taxativo para planos de saúde, coloca ainda mais pressão sobre o SUS para tratamentos mais complexos de saúde, limitando para empresas apenas procedimentos aprovados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). É como explica Matheus Falcão, advogado, integrante do Cebes e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC). “Essas empresas recebem valores altíssimos de famílias e empresas mas quando precisam fornecer um tratamento mais caro, recuam e quem acaba fazendo esse papel é o SUS“, diz. Para ele, a decisão do STJ aprofunda o “parasitismo” dessas companhias sobre o o Sistema Único de Saúde. A medida afeta 49 milhões de usuários de planos de saúde.

Matheus lembra que havia um entendimento no judiciário que rol não era taxativo, mas exemplificativo. Rol, de acordo com o IDEC, lista procedimentos mínimos obrigatórios cobertos pelas operadoras de planos de saúde. Desde a aprovação da Lei de Planos de Saúde, em 1988, o rol de procedimentos foi interpretado pela Justiça como exemplificativo. Ou seja, caso o médico prescreva um tratamento fora da lista, e justifique sua necessidade e eficácia comprovada, a cobertura pelo plano de saúde também seria obrigatória. “A obrigação das operadoras deveria ir pra muito além dessa lista (da ANS) quando o usuário comprovar uma necessidade específica de saúde“, conta o advogado.

Já o rol taxativo é a lista máxima de procedimentos cobertos pelos planos de saúde, impossibilitando qualquer ampliação de suas interpretação. Ele é o oposto da lei que criou a ANS, tampouco da lei de Planos de Saúde. “Isso obviamente é muito ruim pros usuários de plano de saúde porque essas pessoas vão ter menos acesso a procedimentos. Quando as pessoas precisarem de um procedimento que está fora do rol (da ANS) elas terão mais dificuldade de acessar tratamentos“, explica Matheus. Assim, por exemplo, uma vítima de acidente de carro poderá não ter direito a todas as sessões de fisioterapia necessárias para se recuperar totalmente.

Essa quarta-feira, no entanto, o STJ mudou seu entendimento sobre o assunto principalmente por conta da lei nº 14.307/22 – que era a MP nº 1.067, de 2021. Só um adendo: o Congresso que aprovou essa lei é o mesmo que foi beneficiado pelo presidente da Câmara Arthur Lira com o reajuste de 171% – de R$ 85 mil para R$ 135 mil – para reembolsos dos deputados em gastos de saúde sob a alegação que os valores anteriores estavam defasados pelo aumento no valor dos custos de procedimentos de saúde.

Sobre o aumento da pressão sobre o SUS, Matheus Falcão aponta que “na medida em que uma pessoa não consegue o seu procedimento junto as operadoras de plano de saúde ela recorre ao sistema público“. E como o SUS é universal, ele tem que garantir acesso para todo mundo que necessita. E, tendo isso em vista, muitas vezes as operadoras de saúde recuam para deixar a cargo do SUS procedimentos de saúde mais complexos e caros.

Crédito: Yiorgos Ntrahas | Unsplash

CNS se posicionou pelo rol exemplificativo

Na terça-feira (7), o Conselho Nacional de Saúde (CNS) encaminhou a recomendação nº 014 ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), para que julguem pelo entendimento de que o rol de procedimentos da ANS tenha caráter exemplificativo e não taxativo.

Para a conselheira nacional de Saúde e coordenadora-adjunta da Comissão Intersetorial de Saúde Suplementar (Ciss) do CNS, Shirley Morales, a mudança para o rol taxativo limita os benefícios e inviabiliza atendimentos. “Isso significa que, se surgirem doenças novas como a Covid, ou doenças raras, vários procedimentos vão acabar sendo negados porque não estarão no rol obrigatório. A lista de procedimentos é apenas um exemplo, na verdade os beneficiários têm direito à integralidade de benefícios, tendo em vista a questão da defesa da vida e da saúde de uma forma integral”, destaca.

A conselheira também falou ao CNS sobre o impacto no Sistema Único de Saúde (SUS). “Os beneficiários que não foram atendidos pelos planos de saúde vão acabar migrando para o Sistema público, que já se encontra sobrecarregado. Além de, atualmente o ressarcimento ao SUS não ser feito a contento pelas operadoras de plano de saúde. Isso pode representar a morte de vários usuários desses planos e um colapso no sistema”, ressaltou.

A recomendação também destaca que o Brasil conta com 49,1 milhões de beneficiários de planos de saúde e que a receita dos planos de saúde cresceu, em R$ 10 bilhões em 2021 em relação a 2020. Além disso, a mudança da natureza do rol de procedimentos pode acirrar o elevado número de judicializações contra o SUS, entre outros impactos.  

No dia 3 de junho, a conselheira Ana Navarrete, participou de uma audiência pública, representando o CNS, sobre a taxatividade do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e as implicações para os usuários conveniados. O debate foi promovido pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. 

Em sua fala, a conselheira reforçou que o consumidor/usuário é indiscutivelmente a parte vulnerável na relação entre a empresa e o plano de saúde e que é impossível que eles tenham um conhecimento prévio sobre as suas condições futuras de saúde. 

“Qualquer um está submetido a possibilidade de adquirir uma condição de saúde. Quando uma pessoa contrata o plano de saúde, ela não tem condições de saber quais são os tratamentos que ela vai precisar. Ou, mais do que isso, se ela vai ter uma doença e, dentro dessa doença ou condição, quais os tratamentos ou procedimentos serão necessários para tratar aquela doença”, explica. 

A recomendação também pede à Câmara dos Deputados que aprove o Projeto de Decreto Legislativo nº 045/2022, de autoria do Deputado Federal Juninho do Pneu (DEM-RJ) e o Projeto de Decreto Legislativo nº 187/2022, da Deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que solicitam a sustação dos efeitos do Art. 2° da Resolução Normativa n° 465, de 24 de fevereiro de 2021 e da Resolução Normativa nº 470, de 09 de julho de 2021, ambas da ANS, que atualizaram o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.