Heleno Corrêa: comentários à Medida Provisória 621/2013

De Heleno Corrêa, Epidemiologista e membro do Cebes

O programa chamado de “importação de médicos cubanos” foi colocado agora de forma um pouco mais adequada na Medida Provisória 621 (1).

O governo negociou diretamente com a oposição parlamentar e até mesmo a corporação médica da troika CFM-FENAM-AMB organizada e liderada por neoliberais com forte tendência a usar as mãos direitas espalmadas em alto e não em punho cerrado como faria Malcolm-X.

Entretanto não falou com a base aliada no Congresso nem com as instâncias de participação direta no setor saúde, educação, trabalho e movimentos sociais, como o Conselho Nacional de Saúde, os Conselhos de Secretários de Saúde de Estado e dos Municípios (CONASS – CONASEMS), os fóruns tripartites, as bipartites estaduais, para não falar em Associações como ABRASCO, CEBES, e outros conselhos e associações profissionais de saúde (2).

Sob esta óptica um bando desorganizado de prefeitos impressiona mais que a sociedade organizada por princípios. Quando essa onda começou suspeitávamos que a influência de empresários da educação médica tinha obtido mais uma vitória tranquila criando escolas médicas privadas novas em locais sem infraestrutura e desligados de articulação com o SUS, com autorização do Conselho Nacional de Educação teoricamente supervisionado pelo Ministro Aloízio Mercadante.

A dedução que se fazia era que ninguém da Troika fazia nada a não ser “acusar o governo” por que o MEC cedeu de maneira suposta e óbvia a compromissos de financiamentos de campanhas eleitorais por fundos privados (3).

É lógico pensar que ninguém da Troika Médica fala contra os seus financiadores das faculdades privadas recém-abertas e que contrata muitos deles. Os nomes que não são pronunciados incluem empresários de faculdades particulares que lançaram inúmeros cursos novos de medicina recentemente.

A política sempre foi levar o governo ao desgaste e não dar nomes aos bois. É fácil levar a jovem médica nossa conhecida para a Avenida Paulista e mandar procurar o dedo perdido do Lula no rabo do povo e depois colocar no Facebook uma página falando de “dignidade médica”.

Os detalhes mais imperfeitos da MP621 evidenciam que o poder executivo não falou com interlocutores na sociedade para organizar a proposta, e que seu formato foi definido como falam na Bahia, “cortado a facão”, e no meio do ato. Se não negociam, saem propostas paliativas e desestruturadas como a conversa mole de dar “meio REVALIDA” e aprisionar os médicos estrangeiros no interior por três anos chamando-os de “intercambistas” e ao final de três anos expulsa-los do Brasil.

Isso só dá certo em países em guerra ou depois de um terremoto como no Haiti. Mesmo assim resulta em processos internacionais, fugas, mercado de trabalho paralelo, desvio de dinheiro, denúncias por violação de direitos humanos dos profissionais, manipulações políticas e acusações de aproveitadores.

A MP621 não propõe claramente adequar o REVALIDA às necessidades da sociedade e retira-lo das mãos de médicos cuja orientação é decidamente contrária ao SUS e à abertura do mercado de trabalho para concorrentes internacionais, ainda que o país precise. A providência de calibrar o teste aplicando o exame a grupos de estudantes de escolas nacionais dará solução ao impasse. Será possível medir o desempenho do teste se for possível vigiar e evitar fraudes nacionais como já ocorreu nas ocasiões em que foi sabotado o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM – aplicado a estudantes secundaristas.

Algumas manifestações recentes contrárias a qualquer medida Presidencial ou iniciativa do Poder Executivo evidenciam pensamentos tão lineares que revelam incapacidade de entender uma critica a uma lei, um decreto, uma medida provisória com relação a quesitos e políticas. Levam a mensagem de que só se pode ser totalmente contra ou totalmente a favor. A esse respeito existe um balanço muito bom no manifesto do CEBES para quem se dedicar a ler e compreender (4).

Ninguém reparou, mas na MP621 veio um reforço orçamentário correto “por fora” com transferências diretas da União aos municípios, o que confirma o que vem sendo falado sobre a impossibilidade de administrar saúde, educação, serviço social e justiça com 60% de limite neoliberal tucano de gastos com pessoal. Não há município de estado mínimo que aguente. Há dúvidas sobre se a opção correta é colocar o sarrafo mais para cima (85%) ou simplesmente colocar uma regra de que o limite deve ser votado em cada localidade. O fato é que 60% supõe obrigatoriamente que o município não contrata servidores nem para saúde nem para educação.

Parece ser ineficaz ou desorientadora a proposta de discutir com as “instituições formadoras” sobre um programa de saúde. Elas (Faculdades e Universidades) estão em sua maioria comandadas por professores e pesquisadores entrincheirados no produtivismo arrivista e desconsideram formar pessoal para a rede SUS. Raras são as universidades como a UNICAMP que colocam esse objetivo no papel e o defendem. Se depender desse tipo de ideologia profissional e pedagógica todos os seus filhotes serão mortos no ninho pelos “exames de ordem”(5, 6). Esses exames representam o sequestro político pela corporação médica de uma responsabilidade de estado, semelhante a atribuir a um Conselho Federal de Delegados de Polícia ou a uma Associação de Classe dos seus concorrentes profissionais a responsabilidade da triagem de quem poderia ou não ser registrado como advogado.

A discussão mais proveitosa seria feita com conselheiros de saúde e representantes médicos que aceitassem modular suas propostas corporativistas com as ponderações dos usuários. Nossos Conselhos já tem essa estrutura. Estamos perdendo a oportunidade de direcionar as reivindicações por mais saúde sem discutir medidas Estruturantes para o SUS como o refinanciamento dos municípios com mudança na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).

A conduta de não fazer essa interlocução com a sociedade é comportamento político autoritário e isolacionista, desligado da discussão com a sociedade, ao ponto de terem a ABRASCO e o CEBES que enfrentarem sozinhos a troika médica. A reação corporativa visível nas ruas vem tornando indigna a imagem da dedicação que os bons médicos têm com relação às pessoas que atendem e aos demais profissionais de saúde com quem dividem a desventura de construir o SUS. Isso é ótimo para o CEBES e revigora a ABRASCO. É péssimo para o poder executivo.

O que está se tornando cada vez mais claro é que as instituições médicas tomaram o caminho politico da oposição ao “governo”, que significa fazer oposição à Presidente da República. Enquanto isso paradoxalmente pretende fazer alianças com o mesmo “governo” na pessoa dos Deputados e Senadores que a imprensa propaga e acusa diariamente dizendo que são “todos corruptos”. Em segundo plano promete aderir a uma propositura golpista que percorre os monopólios de imprensa para subtrair o papel de ambos os poderes, executivo e legislativo, levar a democracia para a barra dos tribunais e judicializar a política.

Se for assim, as entidades médicas estão apostando todas as suas fichas na direita corruptora do país, e se colocam contra um governo eleito pelo povo com propostas de mudança que estão sendo realizadas, quer os líderes dos médicos gostem ou não. Desconsideram que há muitos médicos que não pensam pela cabeça dessas lideranças.

Ao apostar nessa posição política as lideranças da FENAM-AMB-CFM estão se colocando contra a população que em sua maioria QUER carreiras médicas (que eles também dizem querer) e também QUER mais médicos incluindo a formação de novos médicos e se necessário médicos estrangeiros (que os líderes médicos dizem não querer). Quem as lideranças médicas acham que vão combater? Quem pensam que serão seus aliados? Os políticos e lobistas empresariais da direita corruptora ou os corruptos fisiológicos? Pode ser. Mas não vai restar muito prestígio para a profissão jogada nessa aventura política irresponsável.

A Saúde Pública deve defender o Serviço Civil obrigatório para todos os formados em universidade pública ou com bolsa integral nas faculdades privadas. Se os médicos formados em universidades privadas conseguirem provar que suas escolas não gozaram de incentivos e renúncia fiscal, não usaram recursos públicos nem infraestrutura do SUS para sua capacitação, talvez eles possam se dar ao luxo de não prestar serviço civil. Talvez possam se dar ao luxo de nem prestar serviços. Podem se dar ao luxo de nem prestar para nada… Embora muitos deles sejam cidadãos também interessados em prestar bons serviços ao País.

Nota de 27/07/2013: Designada Comissão Mista do Congresso que avaliará a MP621

Bibliografia

1. BRASIL – Presidência da República. Institui o Programa Mais Médicos e dá outras providências – Medida Provisória No. 621 de 8 de Julho de 2013, ANO CL – Seção I. Sect. 1 (2013): Available from: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2013/Mpv/mpv621.htm ; http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=1&data=09/07/2013

2. Oliveira Cd. Déficit na Saúde: Mais do que médicos estrangeiros, SUS necessita de investimentos, diz especialista Professor na Unicamp, Heleno Rodrigues Correa Filho. Rede BrasilAtual [serial on the Internet].DOI:2013; (03/06/2013): Available from: http://www.redebrasilatual.com.br/saude/2013/06/vinda-de-medicos-estrangeiros-8528.html.

3. Corrêa Filho HR. Mais novos médicos nacionais, médicos estrangeiros e corporação médica no Brasil: o certo, o torto e o errado. Blog do CEBES e Viomundo – Carlos Azenha/Conceição Lemes [serial on the Internet].DOI:2012; (08/06/2012 17:52:16 e 11/06/2012 11:46): Available from: https://cebes.org.br/verBlog.asp?idConteudo=3069&idSubCategoria=56 ; http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/heleno-correa-o-certo-o-torto-e-o-errado.html/comment-page-1#comment-347503

4. CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. O SUS precisa de mais médicos e muito mais! Blog do CEBES Nacional [serial on the Internet].DOI:2013; (15/07/2013): Available from: https://www.cebes.org.br/verBlog.asp?idConteudo=4700&idSubCategoria=56.

5. Corrêa Filho HR. Sobre o Exame de Ordem dos Conselhos Regionais de Medicina. Blog do CEBES [serial on the Internet].DOI:2012; (27/Julho/2012): Available from: https://cebes.org.br/verBlog.asp?idConteudo=3395&idSubCategoria=56.

6. Corrêa Filho HR. Polícia administrativa médica: Estado, fascismo e saúde. Blog Saúde Brasil – Blog do CEBES [serial on the Internet].DOI:2012; (27/Julho/2012): Available from: http://blogsaudebrasil.com.br/2012/07/27/policia-administrativa-medica-estado-fascismo-e-saude/ ; https://cebes.org.br/internaEditoria.asp?idConteudo=3396&idSubCategoria=30; http://www.idisa.org.br/site/documento_8061_0__lagrimas-de-crocodilos-e-vampiros.html