Documentário mostra quem são as ‘clandestinas’ que abortam

Por Giovanna Balogh

 

Toda mulher deve ser mãe? Não. Nem todas querem ter filhos ou porque nunca quiseram, ou porque simplesmente não desejam ter naquele momento. Enfim, ninguém é obrigado a ter um filho se não quer. Filho é para a vida toda, filho dá trabalho, despesa, mas é claro, inúmeras realizações e alegrias desde que você deseje ter essa criança.

O aborto, que é considerado crime no Brasil, ainda é um tabu. Questões religiosas entram sempre na discussão sobre quando começa de fato a vida, mas isso impede o aborto? Não. Diariamente mulheres abortam, mas procuram clínicas clandestinas ou compram medicamentos e abortam sozinhas, conforme reportagem da Folha publicada na edição desta quinta-feira (23). O próprio CFM (Conselho Federal de Medicina) defende que o aborto seja feito com segurança até a 12ª semana de gestação.

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Pesquisa Nacional de Aborto, da UnB (Universidade de Brasília) mostra, por exemplo, que uma em cada cinco mulheres já fez pelo menos um aborto na vida. A maioria delas, segundo a pesquisa, se declarava católica, ou seja, a religião não impediu a interrupção da gravidez.

Relatos reais de quem já vivenciou um aborto são mostrados no recém-lançado documentário “Clandestinas”. A idealizadora, Renata Corrêa, diz que independentemente de a lei considerar o aborto um crime, as mulheres continuam interrompendo as gestações indesejadas.

“Isso é um fato. Elas vão continuar fazendo isso, por diversos motivos. Quando elas fazem na clandestinidade estão expostas a métodos inseguros, a criminosos, como no caso da Jandira, que foi assassinada no Rio. Estamos condenando essas mulheres à morte quando o aborto é criminalizado.”

Renata se refere ao caso de Jandira Magdalena dos Santos Cruz, 27, dada como desaparecida no final de agosto após ter ido fazer um aborto em uma clínica clandestina na zona oeste do Rio. O corpo dela foi encontrado carbonizado em um carro, no bairro de Pedra de Guaratiba, zona oeste. Jandira estaria grávida de três meses.

Algumas mulheres do documentário são atrizes que relatam o caso de jovens que preferem o anonimato, mas há outras que mostram o rosto e admitem ser “clandestinas”.

O documentário foi lançado no dia 28 de setembro, que é o dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização do Aborto.

 

Lei mata mulheres

“A lei atual que proíbe o aborto é eficaz apenas para matar mulheres. Quantas mulheres vão ter que morrer para entendermos que a lei não tem efeito?”, questiona o ginecologista e obstetra Jefferson Drezzet.

O médico, que é coordenador do Ambulatório de Violência Sexual e de Aborto Legal do Hospital Pérola Byington, diz que os abortos continuam sendo feitos mas, que por ser considerado crime, as mulheres fazem o procedimentos sozinhas adquirindo medicamentos de procedência duvidosa ou em clínicas clandestinas.

Drezzet explica que há duas opções de clínicas que fazem abortos: as que têm estrutura e oferecem à mulher um aborto com segurança e as que são verdadeiros “matadouros de mulheres” onde o procedimento é feito por pessoas sem qualificação e sem qualquer estrutura. “A primeira opção é cara, ou seja, a lei prejudica ainda mais as mulheres pobres, que estão mais vulneráveis e mais sujeitas a um procedimento incorreto e arriscado”, explica.

O médico diz que dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) mostram que, no mundo, 600 mil mulheres morrem por ano em decorrência do aborto inseguro. “No Brasil, uma mulher morre a cada dois dias”, comenta. Ele ressalta que além das mortes, há várias complicações decorrentes do procedimento feito na clandestinidade. “O aborto pode ser muito seguro ou extremamente inseguro. O que diferencia é como, onde e por quem ele é feito”, observa.

Drezzet diz que o Uruguai, que descriminalizou recentemente o aborto, o número de mortes e complicações tiveram reduções expressivas sem aumentar os casos de aborto.

“A ideia é dar mais segurança para a mulher que quer fazer o aborto. Se ela está decidida a não ter o bebê, vai fazer de qualquer maneira”, avalia.

Diferente do Uruguai e de boa parte dos países desenvolvidos, o Brasil ainda não tem qualquer perspectiva de mudar a legislação vigente sobre o assunto. Barreiras religiosas e políticas travam mudanças no Código Penal neste assunto. Durante a campanha eleitoral, os dois candidatos à Presidência da República declaram ser contra a descriminalização do aborto. Para o médico, a questão do abortamento não deve ser visto como questão religiosa, mas como um problema de saúde pública.

 

Descriminalização e banalização

No filme, as mulheres mostram que a descriminalização não significa a banalização do aborto, ou seja, o procedimento não será usado como método contraceptivo. “Ninguém pensa em fazer aborto ou dizer ‘vou lá fazer um abortinho’”, diz uma das personagens.

Um dos depoimentos mais impactantes é o de uma mulher que abortou e foi até um hospital procurar atendimento após complicações. “As enfermeiras a protegeram e falaram para ela mentir que o aborto tinha sido espontâneo. As próprias enfermeiras disseram que o plantonista a deixaria morrer se descobrisse a verdade”, comenta a idealizadora do documentário.

A questão é: a mulher que é submetida a um aborto, lembre-se que ela pode ser sua irmã, sua prima ou sua namorada, deve ser presa ou morrer em uma clínica clandestina?

Veja abaixo o “Clandestinas” na íntegra:

 

Fonte: Folha de São Paulo