É hora de o país acabar com os subsídios fiscais para a saúde privada
Paulo Henrique de Almeida Rodrigues e Isabela Soares Santos
O segundo governo Dilma Rousseff vem tomando diversas medidas de ajuste fiscal em função dos crescentes déficit e dívida pública. Tais dificuldades levaram, inclusive, à nomeação de ministros comprometidos com a austeridade fiscal, como Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento), numa virada de 180º em relação à política econômica desenvolvida no mandato anterior da presidente. Entre as medidas que vem sendo propostas pela atual equipe econômica, destaca-se o corte de subsídios ou renúncia fiscal por parte do governo, praticada anteriormente, mesmo a custa da redução de empregos em diversos setores da economia. Em recente visita ao Senado Federal, Joaquim Levy afirmou que um dos fatores que levaram à deterioração fiscal foi a renúncia de receitas e propôs a “redução de algumas delas”. Segundo ele, parte das medidas adotadas estão “esgotadas”, dizendo que esta também é uma avaliação da presidente Dilma” (Valor Econômico, 31/03/25).
As medidas a que se referia o ministro foram tomadas pelo governo com o objetivo de combater os efeitos da crise financeira internacional de 2008/2009, favorecendo a demanda e o emprego. Segundo Matheus Carneiro Assunção (2010, p. 27), em trabalho que ganhou menção honrosa no XV Prêmio do Tesouro Nacional, em 2010, o governo brasileiro promoveu “redução temporária (por prazo determinado) do IPI sobre veículos, eletrodomésticos da linha branca, materiais de construção e bens de capital”. Agora, em função das dificuldades fiscais, o governo pretende encerrar os incentivos, como forma de procurar aumentar a arrecadação de impostos e reforçar seu caixa.
O ministro Joaquim Levy não mencionou, entretanto, um dos mais antigos mecanismos de renúncia fiscal, criado durante a ditadura militar e que favorece o setor privado de saúde no Brasil há quase 50 anos. Logo no início do regime militar (1966), o Código Tributário Nacional concedeu a dedução no imposto de renda dos gastos com planos ou seguros, além de serviços privados de saúde (RODRIGUES, 2014, p. 48).
Tal renúncia fiscal tem sido decisiva, desde então para a expansão dos negócios nas áreas dos planos e seguros de saúde, e de prestação de serviços de saúde. Segundo Carlos Otávio Ocké-Reis (2013, p. 3) “a renúncia fiscal em saúde alcançou aproximadamente R$ 16 bilhões em 2011, equivalente a 22,5% do gasto público federal em saúde”.
Esse percentual, se aplicado à proposta orçamentária do governo federal para 2015 para a função saúde, que é de R$ 101 bilhões (BRASIL, 2014, p. 181), equivale a R$ 22,7 bilhões de reais. Este montante é rigorosamente igual ao bloqueio provisório de um terço dos gastos administrativos dos 39 ministérios e secretarias especiais, decretado pelo governo em 08/01/2015 (DINHEIRO PÚBLICO & CIA: 02/04/15), que afetou principalmente a Educação (31% do total) e até levou ao adiamento do início das aulas nas universidades federais.
São diversas as medidas de redução dos gastos sociais que o governo vem tomando, como é o caso do objetivo das Medidas Provisórias nº 664 e 665/2014, que retiram direitos previdenciários e trabalhistas dos trabalhadores brasileiros. Ora, num momento de necessidade de redução de gastos públicos, que vem ameaçando até mesmo os indispensáveis gastos sociais, qual o sentido de manter os subsídios para o setor privado de saúde? Tais subsídios, além de fortalecer um setor que beneficia apenas 25% dos brasileiros, evidentemente retiram recursos indispensáveis para que o governo possa financiar a saúde de todos os brasileiros.
Neste sentido, propomos uma ampla campanha de todas as entidades e cidadãos que defendem o direito social à saúde e o Sistema Único de Saúde, que lutem pelo fim dos subsídios fiscais criados pelo regime militar à saúde privada e sua utilização em benefício do direito de todos à saúde.
Referências
ASSUNÇÃO, Matheus C. Incentivos Fiscais e Desenvolvimento Econômico: a função das normas tributárias indutoras em tempos de crise. XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010. Tema III Política Fiscal e a Crise Econômica Internacional – Menção Honrosa. Finanças Públicas –. Disponível em: http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/Premio_TN/XVPremio/politica/MHpfceXVPTN/Tema_3_MH.pdf; acesso em: 02/04/15.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Orçamentos da União. Secretaria de Orçamento Federal. Projeto de Lei Orçamentária Exercício Financeiro 2015, Texto do Projeto de Lei, Quadros Orçamentários Consolidados, Detalhamento da Receita, Legislação da Receita e da Despesa volume I (2014). Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/sof/PLOA2015/Volume_I_PLOA_2015.pdf; acesso em 02/04/15.
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE (CNS). Recomendação nº 001, de 28 de janeiro de 2015 [Recomenda ao Governo Federal e ao Congresso Nacional a revogação das Medidas Provisórias nº 664 e 665 de 2014]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes/2015/Reco001.pdf; acesso em: 02/04/15.
DINHEIRO PÚBLICO & CIA. Ministérios sofrem corte provisório de R$ 22,7 bi em gastos não prioritários (08/01/15). Disponível em: http://dinheiropublico.blogfolha.uol.com.br/2015/01/08/ministerios-sofrem-corte-provisorio-de-r-227-bi-mec-e-o-mais-afetado; acesso em: 02/04/15.
OCKÉ-REIS, Carlos O. Mensuração dos Gastos Tributários: O Caso dos Planos de Saúde – 2003-2011 (IPEA, Nota Técnica nº 5). Brasília IPEA, 2013, 13 p.
RODRIGUES, Paulo H. A. Desafios políticos para a consolidação do Sistema Único de Saúde. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, 201(12): 37-59, jan-mar, 2014.
VALOR ECONÔMICO. “O importante é não cometermos equívocos”, diz Levy no Senado. Por Thiago Resende, Edna Simão e Raquel Ulhôa (31/03/2015). Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/3985806/o-importante-e-nao-cometermos-equivocos-diz-levy-no-senado; acesso em: 02/04/15.