A Saúde Coletiva e Marco Civil da Internet
Diante dos debates em torno do Marco Civil da Internet no Congresso Nacional, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), vem a público manifestar seu posicionamento favorável à aprovação do texto apresentado pelo Deputado Alessandro Molon (PT-RJ), que conta com apoio de parcela expressiva da sociedade civil.
Compreendemos que a Internet é um bem público, de todos, e por isso deve estar livre de interesses comerciais que possam limitar a criação, a liberdade de expressão, a mobilização social e a prestação de serviços públicos. Sendo assim, sua regulamentação deve fortalecer direitos como os de acesso à comunicação, à cultura e à informação, considerados por nós fundamentais para a efetivação do direito à saúde e da cidadania plena.
Embora o acesso à Internet não seja universalizado no país, a Rede se constituiu em espaço essencial ao debate público, ao controle social exercido pelas entidades que compõem os conselhos de saúde, à formação continuada de profissionais da área, além de fundamental para acessar informações e serviços de saúde. A crescente convergência tecnológica favorece a reorganização dos serviços de saúde imbricados nas tecnologias da informação e da comunicação.
A importância da Internet para o Campo da Saúde foi enfatizada no documento “As causas sociais das iniquidades em saúde no Brasil”, relatório final da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), lançado em 2008. O documento destaca que o acesso à informação em saúde é facilitado na atualidade pelas novas tecnologias de informação e comunicação, articuladas em grande parte pela Internet, podendo essas exercer importante influência sobre a situação de saúde e sobre as iniquidades em saúde. Ao concluir enfatiza que “o aproveitamento destas e outras oportunidades para superar o problema das iniquidades de informação depende do estabelecimento de políticas explicitamente desenhadas para tal. Estas políticas devem basear-se no reconhecimento de que o conhecimento, a informação e a Internet são bens públicos e devem, portanto, ser objeto de políticas públicas”.
Entendemos que o Marco Civil deve considerar e responder diretrizes constitucionais e contemplar demandas sociais relativas à Saúde, garantir o processo democrático e ajudar no debate sobre temas pungentes para a democracia participativa nos processos decisórios e de efetivação (garantia) do Direito da Saúde, possibilitando a utilização crescente e democrática de instrumentos (ferramentas) eletrônicos, da Comunicação e do SUS.
A Internet é um bem público, dos diálogos da sociedade civil, do processo criativo da sociedade e do exercício democrático. Consideramos a Comunicação, a Informação e o Controle Social como partes estruturantes da democracia, da qualidade e da Universalização do SUS.
O debate sobre o Marco Civil da Internet não é recente. Em Congressos e em outros momentos discutimos a questão da democracia, da participação e da universalização da Saúde, destacando que ela só se faz num determinado contexto de construção democrática, estabelecendo diálogo com conceitos e instrumentos de comunicação socialmente relevantes para a saúde, a cultura e a qualidade de vida da população.
Reconhecemos como legítimo e representativo o processo de Consulta Pública iniciado em 2009, que recebeu mais de duas mil contribuições, com participação de importantes setores da sociedade: academia, governo, empresas, entidades e movimentos sociais. Fruto desse processo, o texto que está sendo apreciado pelo Congresso Nacional, reconhecido internacionalmente como um dos projetos mais avançados nessa área, foi formulado para ser uma “Carta de direitos na rede”, alicerçado em três princípios fundamentais: Neutralidade da Rede, Liberdade de Expressão e Privacidade.
1. A Neutralidade da Rede impede a interferências indevidas no fluxo de dados, a discriminação ou privilégio de informações por razões comerciais ou quaisquer outras que não sejam meramente técnicas.
2. O princípio da Liberdade de Expressão garante que a retirada de conteúdo da Internet somente possa ocorrer mediante ordem judicial. Impede que um simples pedido de uma empresa ao provedor, a pretexto de defesa de direito autoral, seja suficiente para a retirada de conteúdo. Impossibilita que agentes privados possam definir o que deve ser resolvido pela justiça.
3. O Marco Civil deve definir regras para a Privacidade, assegurando que as empresas de telecomunicações não possam guardar os dados de navegação dos usuários, impedindo esses grupos tenham um mapa completo do que cada cidadão faz na rede.
Neste sentido, consideramos que a garantia desses princípios no Marco Civil é fundamental para preservar o caráter público e democrático da Internet em nosso país.
Corroboramos, portanto, com o Manifesto da Sociedade Civil, lançado em 6 de outubro de 2013, assinado pelas seguintes entidades e movimentos sociais: Comitê Gestor da Internet (CGI), Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, IDEC, Midia Ninja, Intervozes, Ocupe a Mídia, Proteste, Marco Civil Já, Ciranda, Interagentes, Artigo 19, Marcha das Mulheres, Fundação Perseu Abramo, Fora do Eixo, Levante Popular da Juventude e CUT.
Alinhados com o Manifesto da Sociedade Civil e com o Relatório da CNDSS, convocamos as entidades e instituições do Campo da Saúde a se incorporar ao movimento pela aprovação do Marco Civil.
Rio de Janeiro, 17 novembro de 2013.
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO)
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES)