A saúde que queremos é possível, mas não sem luta

O III Simpósio de Política e Saúde do CEBES ressalta a necessidade do CEBES sair dos muros do setor da saúde para manter viva a luta pelo direito integral à saúde. “Falar para outros campos, prendendo mentes e corações”, não parece ser fácil. Como o Cebes pode e deve intensificar essas articulações com a sociedade?

O CEBES sempre direcionou sua atuação política –plural e suprapartidária- pela democracia e pela construção de um projeto de hegemonia por mudanças no modelo de Estado, necessárias para a garantia dos direitos sociais e da saúde. Nas transformações preconizadas pela Reforma Sanitária Brasileira é central que, para ter saúde, um pais deve dispor de políticas sociais e econômicas orientadas para promover os direitos e a qualidade de vida do ser humano.

Nos anos oitenta o CEBES e as demais entidades do movimento sanitário, com ampla participação popular, acumularam significativas conquistas políticas. Destaque para o texto constitucional sobre a saúde que, além de localizar a saúde no contexto da seguridade social, reafirma a importância das políticas econômicas e sociais na produção da saúde. Ainda criou o Sistema Único de Saúde, o SUS.

Atente se que a utopia da reforma sanitária está fundamentada em um projeto societário que garante políticas sociais universais e saúde para todos. Não basta ao país dispor de um sistema de assistência medica. Entretanto é necessário garantir assistência medico sanitária universal e com esse objetivo lutamos para que fosse criado o SUS que deveria operar um modelo assistencial capaz de prover acesso universal, humanização e qualidade na atenção e no cuidado à saúde.

Nossas conquistas como movimento da reforma sanitária brasileira não se esgotaram na 8ª Conferência Nacional de Saúde e nem no capítulo da Constituição Federal de 1988, estão presentes no processo de implantação do SUS nos últimos 25 anos. Reconhecemos entretanto, uma certa fragilidade do movimento sanitário nas duas décadas pós criação do SUS, tanto nas iniciativas e articulações, como no espírito crítico original da Reforma Sanitária. Esse espírito e mobilização tem sido resgatado nos últimos 3 anos.

Nossa principal contribuição ao cenário político é produzir e divulgar análises críticas, transformando o conhecimento em propostas estratégicas de intervenção política para mudanças da realidade. O grande desafio é falar com os movimentos sociais, ajudar na compreensão da saúde sob uma perspectiva dialética, ou seja, como acúmulo da sociedade.

Desde o movimento da “refundação” o CEBES tem ampliado seu campo de diálogos. Estamos no Grito dos excluídos, no movimento Saúde Mais Dez, nas articulações por reforma política e sempre contamos com dezenas de movimentos sociais nos nossos seminários e eventos. É preciso mais e o debate no III Simpósio apontou para a maior responsabilidade e envolvimento dos núcleos locais do CEBES nessa tarefa. O “coletivo dos núcleos” irá definir como encaminhar o trabalho de articulação política local que provavelmente terá formatos distintos. Da parte da direção executiva, seguiremos intensificando diálogos , aperfeiçoando nossos mecanismos comunicacionais, e buscando novas articulações com os movimentos sociais.

 

Transversalizar o debate sobre direitos sociais, cidadania e desenvolvimento inclui abrir-se para demandas externas. Das lutas contemporâneas dos movimentos sociais, quais são convergentes com a luta do Cebes?

Todos os direitos sociais presentes nas lutas contemporâneas são convergentes com a luta do CEBES. Saúde é qualidade de vida e não simplesmente ausência de doença e assim, transporte, educação, segurança publica, assistência médica, segurança alimentar, moradia, laser e liberdades democráticas estão na mira da luta pela saúde.

O rumo do Estado brasileiro precisa ser redirecionado. O desenvolvimento não pode focar apenas no aspecto econômico, particularmente quando a política econômica tem o caráter de política financeira, refém que é do mercado financeiro. Democratizar o acesso a bens e consumo não é suficiente e nem contribui para a cidadania que o povo brasileiro precisa incorporar. É hora da guinada para promover e consolidar direitos sociais.

Baseado na promoção da cidadania e dos direitos sociais, nossa Constituição criou o Sistema de Seguridade Social que foi boicotado, esfacelado, mercantilizado. Precisamos construir caminhos políticos de recomposição de nossas conquistas constitucionais.

 

A composição da nova diretoria e do conselho consultivo eleito mescla experientes pesquisadores e intelectuais com a juventude dos novos sanitaristas representantes dos núcleos. De que forma isso contribui para que o Cebes continue a cumprir o seu papel na sociedade?

O CEBES está vivo e renovado e esta ampla composição da diretoria e do conselho consultivo reflete isso! Temos reafirmado nossa identidade como um grupo político plural, suprapartidário e do campo socialista, cujo compromisso são as mudanças para ampliar a justiça social e a saúde.

Novas são as ideias e a disposição de mudar. O CEBES não alimenta o separatismo entre gerações dos seus integrantes. Queremos aproximação de gerações, de jovens e menos jovens agregados em processo de lutas e ideias ousadas, renovadoras. Os que já estão aqui há mais tempo têm muito a compartilhar. Os que estão chegando idem. Somos suprageracional.

O mais importante nesse processo é localizar a luta pela saúde para além da consolidação do SUS, como eixo do processo de desenvolvimento nacional, orientado aos interesses públicos.

A luta pelo SUS é importante mas insuficiente para produzir e garantir a saúde que requer um conjunto de ações publicas que mude a configuração dos processos de determinação social, cultural e econômica da saúde. O Cebes tem papel essencial na disseminação destes conceitos e praticas políticas.

 

Os próximos dois anos serão de intensa atividade política no país, com uma eleição presidencial no próximo ano. Como o Cebes pretende abordar essa conjuntura que se desenha no horizonte para sua ação política em defesa da saúde?

Não podemos ter inocência em relação à política e mapeamento do poder no país. O Partido do Trabalhadores conquistou três governos sob aliança ampla com setores de centro direita e conservadores. Os governos resultantes destes acordos, têm sido marcados por enormes contradições e até mesmo atrasos como o que ocorre no campo dos direitos humanos, dominado por fundamentalistas religiosos que impõem valores e ideias que comprometem a laicidade do estado nos assuntos da sexualidade, dos direitos sexuais e reprodutivos.

Apenas nos últimos meses o governo acenou com mudanças no financiamento setorial da saúde, pressionado pelo vitorioso movimento Saúde Mais Dez que levou ao Congresso mais de 2 milhões de assinaturas sustentando o Projeto de Lei de Iniciativa Popular que destinava 10% das Receitas Brutas da União para a Saúde. Mesmo assim, não atendeu integralmente o pleito popular.

O Brasil contemporâneo exige discernimento sobre os valores que direcionam o processo de desenvolvimento em curso. Por isso, o CEBES deve contribuir no questionamento da importância que vem sendo dada ao capital financeiro no desenvolvimento nacional e os subsequentes valores individualistas, consumistas e submissos a lógicas incompatíveis com a sociedade de direitos que a Reforma Sanitária sempre teve como horizonte.

A saúde transparece nas aspirações populares e é vocalizada desde as manifestações de junho para que seja pública e de qualidade. A saúde como fenômeno socialmente determinado exige respostas do Estado brasileiro garantindo um sistema de saúde baseado nos valores da solidariedade e na garantia do direito de cidadania; nas práticas integrais da promoção à reabilitação; na participação política ativa dos cidadãos nas decisões sobre sua saúde e sobre a política de saúde. Temos enfrentando a complexa tarefa de debater democraticamente e politicamente sobre as possibilidades do direito à saúde e do SUS constitucional como um sistema potencialmente capaz de dar conta da aspiração do povo brasileiro. Com as eleições, é oportuna a mobilização de todos em torno desse projeto político.

A presença do capital financeiro e a consequente “ financeirização “ do setor de saúde fortaleceu mais ainda um nefasto polo de poder e os interesses privados no interior do Estado brasileiro. Na mesma direção, as empresas de planos privados de saúde consolidaram-se no mercado com regras e práticas de regulação feitas pelo Estado (ANS/MS) mas que não protegem o cidadão e o SUS, ao contrário, privilegiam mercado privado de planos e todos os envolvidos com este, como o de serviços de saúde, o de produção de insumos e equipamentos de saúde. O CEBES vem denunciando firmemente a evasão de recursos públicos para o setor privado sob diversas modalidades como os benefícios, os subsídios fiscais, o não ressarcimento legal previsto, a dupla porta de entrada, o pagamento de planos privados para servidores públicos que os governos decidem fazer com recursos públicos, etc.

Vamos produzir documentos políticos para uso amplo, com vistas a fundamentar os debates sobre a saúde no processo eleitoral. Temos que traduzir o que o povo deseja em propostas reais de mudanças. Vamos buscar alianças, provocar outras entidades para a defesa do direito à saúde, debater e intervir nos programas eleitorais.

Não há consenso explicito sobre s projetos para a saúde , mesmo nos partidos do campo progressista ou de esquerda. É necessário pressionar por uma hegemonia que coloque a saúde como direito, responsabilidade do estado, não mercantilizacão setorial enfim, colocar nosso bloco de ideias nas ruas, nos corações e mentes!