Pelo direito universal à saúde e pelo SUS!
Editorial da revista Saúde em Debate 104
Em primeiro de janeiro de 2015 se iniciou um novo mandato presidencial e nova legislatura no Congresso Nacional, cujas eleições foram marcadas pela forte presença, no financiamento das campanhas, de empresas vinculadas ao mercado da saúde. Os custos disso já começamos a sentir e poderão ser muito altos para o Sistema Único de Saúde (SUS).
O cenário é complexo e reflete as estratégias de fortalecimento do mercado da saúde, que ao longo dos anos tem sido construído e implementado sob uma regulação débil, subsídios fiscais, financiamento público e mecanismos que facilitam a presença e expansão do setor privado no setor de saúde no País.
Uma vez mais, o processo eleitoral reacendeu as expectativas do Movimento da Reforma Sanitária (MRS) em direção à consolidação do SUS, entretanto, o otimismo durou pouco, e o SUS passou a acumular derrotas no âmbito do Congresso e do próprio governo federal. A expectativa do MRS começou a ser frustrada com a sanção, pela Presidência da República, da Lei de Conversão nº 18, originada da Medida Provisória nº 656, de 2014, que mudou a Lei 8080/90, permitindo “a participação direta ou indireta, inclusive controle, de empresas ou de capital estrangeiro na assistência à saúde” (BRASIL, 2014B). Essa Lei está sendo questionada por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), apoiada pelas entidades do movimento sanitário que argumentam sobre a sua afronta à Constituição Federal. O art.199 § 3º da Constituição estabelece que “É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei” (BRASIL, 1988). A nova Lei torna a Constituição ‘letra morta’, pois já não haveria condicionantes para a presença de capital estrangeiro no mercado nacional da saúde. A liminar, interposta em conjunto com a ADIn, pede intervenção urgente, pois, se colocada em prática, essa nova norma legal põe em risco o direito à saúde.
Outro revés sofrido pelo SUS foi a recente aprovação, na Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional — PEC do Orçamento Impositivo —, que deve retirar do orçamento da saúde valores da ordem de R$ 10 bilhões e ainda muda as bases de cálculos que aprofundam o subfinanciamento setorial. Apenas 44 parlamentares (menos de 10% do total) votaram a favor do SUS e contra a institucionalização do subfinaciamento decorrente da nova regra.
Agora a Casa do Povo coloca em discussão um Projeto de Emenda Constitucional que destrói de forma definitiva a responsabilidade do Estado por meio do SUS em prover o direito universal à saúde. Trata-se da PEC 451/14, de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, obrigando todo empregador, urbano ou rural, a pagar planos privados de saúde aos trabalhadores (BRASIL, 2014A). Pasmem: a fundamentação do deputado, que recebeu apoio financeiro na sua eleição de planos privados de saúde, é o direito à saúde preconizado e previsto no artigo 196 da CF/88.
Não nos iludamos, esses fatos são decisões políticas decorrentes da hegemonia liberal que segue controlando o Estado, a sociedade, as instituições públicas e está solidamente estabelecida no interior do Congresso e do governo federal, em uma nova ofensiva conservadora a favor do mercado e do capital e contra o SUS. Isso coloca novos desafios que exigem maior articulação de todos que integram o movimento sanitário brasileiro. A conquista do SUS, na década de 1980, na contramão das políticas neoliberais da época, se deu em grande medida pela luta dos movimentos sociais e pelo reconhecimento da dívida social que o Estado brasileiro tinha para com a população. Pois bem, essa dívida ainda não foi paga, e as contradições de interesses no interior da sociedade estão cada vez mais acentuadas. Nessa conjuntura, como mobilizar em defesa do sistema público os trabalhadores sindicalizados beneficiados por planos privados? Como construir uma hegemonia em torno da saúde como direito social no contraponto com a sua abordagem enquanto bem de consumo? O Cebes entende que cabe a nós, movimentos populares, sindicais, estudantis e trabalhadores da saúde, fazermos a nossa parte neste contexto histórico, ou seja, lutar pela defesa do direito à saúde e do SUS.
De forma oportuna, em 2015 o Brasil realizará a XV Conferência Nacional de Saúde, dezenas de conferências estaduais e milhares de conferências municipais e locais. É a oportunidade de reeditarmos o que foi a histórica VIII Conferência Nacional de Saúde, que mobilizou a sociedade brasileira na defesa do direito universal à saúde e de um sistema público e integral para todos.
O Cebes convoca o conjunto dos militantes da saúde a participar ativamente das conferências, em todos os níveis, debatendo os temas cruciais para efetivar o direito à saúde, que somente avançará com a consolidação do SUS. Nessas Conferências, devemos aprovar propostas e diretrizes que obriguem os governos e representantes políticos a passarem do discurso à prática, colocando a saúde no centro da agenda política e do projeto de desenvolvimento do País.
Diretoria Nacional do Cebes