Apelo à OPAS/OMS e ONU: Frente pela Vida e CNS denunciam a maior calamidade sanitária da história do Brasil
A Frente pela Vida e o Conselho Nacional de Saúde (CNS) entregaram nessa segunda-feira (08/03) uma carta à Socorro Gross, representante da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) no Brasil, na qual apela para que “o Presidente do Conselho Executivo e o Diretor Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) chamem à responsabilidade o governo brasileiro, convocando-o a um trabalho conjunto capaz controlar efetivamente o evento sanitário de maior proporção desse século“. O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) é signatário da carta e integrante da Frente pela Vida, movimento que reúne centenas entidades da sociedade civil, incluindo associações científicas e de profissionais de saúde.
“Desde o início da pandemia da Covid-19, o Brasil registrou mais de 10 milhões de casos e mais de 260.000 mortes. A situação se agravou a partir de janeiro de 2021, com mais de 75 mil casos novos e quase 2.000 mortes por dia, atingindo de forma mais significativa as camadas vulnerabilizadas da população. O país vive, nesse momento, o colapso do seu sistema de saúde, tanto no setor público como no privado“, denunciam as entidades na carta.
A entrega do documento ocorre num momento na qual o Brasil registra média 1.540 pessoas mortes de covid-19 no Brasil por dia em uma semana, o maior número de toda a pandemia. O País bateu nessa segunda-feira, pelo 10° dia seguido, recorde de óbitos na média móvel de óbitos pelo coronavírus. São 47 dias seguidos consecutivos de média móvel acima de mil óbitos. Em 2020, essa marca se manteve por 31 dias seguidos, até apresentarem queda.
“O Brasil se tornou o epicentro da pandemia e o governo precisa ser responsabilizado. O que se faz ou deixa de fazer aqui gera consequências de vida ou de morte para o nosso povo e para a população da América Latina e do mundo”, afirmou Fernando Pigatto, presidente do CNS.
Socorro confirmou que o documento será entregue aos dirigentes da OMS. “Os dados que temos em relação ao que aconteceu na Europa e Estados Unidos mostram que o impacto na transmissão e na hospitalização é maior que na primeira e, por isso, pensamos que as medidas deve ser extremas, tanto de distanciamento, do uso de máscaras, de evitar aglomerações, uso de álcool gel e lavagem das mãos”, ressaltou a representante.
Em coletiva de imprensa no último dia 5 de março, o diretor-geral da OMS Tedros Adhanon disse que a situação da pandemia no Brasil é “muito preocupante”. As entidades lembram na carta que o próprio dirigente apontou que o Brasil representa risco sanitário para toda a América do Sul.
E esse cenário não tende a mudar no curto prazo. Ainda no documento, o CNS e a Frente pela Vida relatam que “a vacinação, importante instrumento para o controle da situação, tem enfrentado enormes desafios organizativos, dificultando o controle da pandemia“. “O Programa Nacional de Imunização, reconhecido mundialmente, tem uma história de sucesso que inclui a erradicação da varíola e a eliminação da poliomielite, além do controle de várias outras doenças transmissíveis. A dinâmica atual, contudo, contradiz essa história“.
Notícias veiculadas na imprensa relatam que o governo federal recusou em 2020 a oferta de 70 milhões de doses da vacina da Pfizer, que seriam entregues em dezembro de 2020. Também no ano passado, o Instituto Butantan apresentou 3 propostas de venda da Coronavac para União, mas não teve resposta.
Para as entidades brasileiras, a OMS “tem o dever de explicitar as consequências do não cumprimento das disposições do RSI (2005), incluindo o aumento dos casos de doenças e óbitos, o comprometimento da imagem internacional do país por desrespeitar as decisões e recomendações feitas com base no RSI, a imposição unilateral de restrições a viagens e ao comércio com significativos efeitos econômicos e sociais, além da indignação pública”. O Regulamento Sanitário Internacional (RSI-2005) “considera o necessário equilíbrio entre os direitos soberanos de cada país e o compromisso compartilhado por todos os Estados de atuar para a prevenção da propagação internacional de doenças“.
“A situação está no limite”, afirma Pigatto em reunião com Socorro Gross (Opas/OMS)
Carta à ONU
A carta também foi encaminhada para a Alta Comissária dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michelle Bachelet, pelo vice-presidente eleito da Federação Mundial das Associações de Saúde Pública (WFPHA) e integrante do atual Conselho da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Luis Eugenio de Souza. “O descontrole da pandemia no Brasil atinge não apenas os que aqui residem, mas ameaça o mundo todo com a disseminação de novas variantes do vírus”, destacou Luís Eugênio, um dos responsáveis pela formulação do documento.
Veja abaixo a carta na íntegra entregue à OPAS/OMS e ONU:
Vossas Excelências
Dr. Harsh Vardhan
Presidente do conselho executivo da OMS
Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus
Diretor Geral da OMS
Desde o início da pandemia da Covid-19, o Brasil registrou mais de 10 milhões de casos e mais de 260.000 mortes. A situação se agravou a partir de janeiro de 2021, com mais de 75 mil casos novos e quase 2.000 mortes por dia, atingindo de forma mais significativa as camadas vulnerabilizadas da população. O país vive, nesse momento, o colapso do seu sistema de saúde, tanto no setor público como no privado.
Os senhores estão certamente bem informados sobre o quadro atual da pandemia no Brasil e a insuficiente implementação das medidas preconizadas pela OMS em relação à prevenção da doença e à proteção social para diminuir a exposição, como evitar as aglomerações sociais e exigir o uso de máscaras faciais.
A vacinação, importante instrumento para o controle da situação, tem enfrentado enormes desafios organizativos, dificultando o controle da pandemia. O Programa Nacional de Imunização, reconhecido mundialmente, tem uma história de sucesso que inclui a erradicação da varíola e a eliminação da poliomielite, além do controle de várias outras doenças transmissíveis. A dinâmica atual, contudo, contradiz essa história.
Acrescente-se que, com o surgimento e a disseminação de novas variantes do vírus, é remota a perspectiva de se alcançar a cobertura vacinal necessária para produzir a imunidade coletiva e permitir o controle da pandemia.
Se essa situação continuar, não apenas os brasileiros estarão sujeitos à progressão indefinida da pandemia, mas também a população mundial poderá sofrer os efeitos de uma fonte incontrolável de novas variantes do vírus que podem debilitar os esforços da OMS e dos países para controlar a pandemia.
Foram muito importantes os alertas que a OMS e o Dr Tedros pessoalmente fizeram, na conferência de imprensa do dia 05 de março, sobre a gravidade da situação no país e o risco que o Brasil representa para toda a América do Sul. Infelizmente, alertas e recomendações não têm sido suficientes para levar o governo a adotar as medidas de prevenção e mitigação necessárias.
O Brasil é signatário do Regulamento Sanitário Internacional (RSI-2005), que considera o necessário equilíbrio entre os direitos soberanos de cada país e o compromisso compartilhado por todos os Estados de atuar para a prevenção da propagação internacional de doenças.
A Organização Mundial da Saúde não possui instrumentos para obrigar os países a adotar medidas específicas, mas tem o dever de explicitar as consequências do não cumprimento das disposições do RSI (2005), incluindo o aumento dos casos de doenças e óbitos, o comprometimento da imagem internacional do país por desrespeitar as decisões e recomendações feitas com base no RSI, a imposição unilateral de restrições a viagens e ao comércio com significativos efeitos econômicos e sociais, além da indignação pública.
Nesse sentido, o Conselho Nacional de Saúde, órgão do controle social do SUS, e a Frente pela Vida, movimento que reúne centenas entidades da sociedade civil, incluindo associações científicas e de profissionais de saúde, vem apelar ao Presidente do Conselho Executivo e ao Diretor Geral da OMS que chamem à responsabilidade o governo brasileiro, convocando-o a um trabalho conjunto capaz controlar efetivamente o evento sanitário de maior proporção desse século.
Por fim, vale acrescentar que essa situação representa um desrespeito aos direitos humanos, motivo pelo qual os signatários desta carta também estarão apelando à Alta Comissária dos Direitos Humanos das Nações Unidas, Dra. Michelle Bachelet, que alerte as autoridades sobre as consequências, no âmbito das organizações multilaterais, desse desrespeito.
Brasília, 8 de março de 2021
Baixe a carta a seguir: