Toda mulher já foi abusada, por Milly Lacombe
Por Milly Lacombe, para a Revista TPM.
Às vezes acontece quando ainda somos crianças. Às vezes quando estamos crescendo. Às vezes já grandes. Uma encoxada no ônibus, uma passada de mão no metrô, uma mão forçada na balada. Não há mulher que tenha deixado de experimentar algumas dessas violações.
Nossos corpos são o que temos de mais sagrado. Encostarmo-nos uns nos outros deveria ser somente um ato de amor e afeto. Seja um abraço no filho que volta da escola, o carinho no cabelo do amigo que chora por alguém que se foi ou corpos unidos em cerimônia de amor. Isso. Nada além disso.
Quando o deputado Jair Bolsonaro disse à deputada Maria do Rosário, no plenário da Câmara, que não a estupraria porque ela não merece ser estuprada, ele estuprou a todas. Todas as mulheres do Brasil foram violentadas pelas palavras do deputado.
Alguns crimes, como a corrpução, por mais grotescos que sejam, jamais alcançarão o requinte de dor e dilaceramento de um abuso sexual.
Cruzam-se todas as fronteira do imoral quando nossos corpos são usados como armas contra nós mesmas. Justo nossos corpos que são capazes de gerar vidas. Justo nossos corpos que sabem amar como apenas as mães são capazes. Justo esses corpos são invadidos pela morte que só o abuso sexual pode causar. É uma morte verdadeiramente horrível.
E quando as palavras de Bolsonaro saíram de sua boca em direção à Maria do Rosário, antes mesmo que elas a atingissem, já haviam feito milhões de vítimas pelo Brasil. O que poderíamos fazer pelo País e pela humanidade se não fôssemos tratadas como um objetos? Quem poderíamos ser e o que mais seríamos capazes de alcançar? Filhas, mães, irmãs… Toda mulher abusada é um ser humano que morre um pouco, seja a caminho de casa no metrô ou numa esquina escura na saída de uma festa. Os corpos podem continuar a andar por aí, mas alguma coisa em todas nós apagou.
Na época em que tudo precisa ser medido e calculado e o subjetivo não existe mais, as palavras de Jair Bolsonaro são um arsenal abstrato atirado contra a cabeça de todas as mulheres. Que não fique por aí. Que sejamos capazes de nos levantar e gritar “basta”.
Porque assim como Eric Gardner, que foi assassinado nos Estados Unidos por ter nascido com a cor de pele que a polícia considera inadequada – nesse mundo que ainda consegue diferenciar pessoas pela cor da pele – e enquanto gritava para os policiais “I can’t breathe”, a gente também já não consegue respirar.
Fonte: Revista TPM