A roda já foi inventada…

Por Maria Cristina Feijó Januzzi Ilário*

A lição aprendida, comprovada cientificamente e no suor misturado dos saberes, mostra que a construção, a execução e a gestão compartilhada dos planos e metas programados e, necessariamente, a vinculação de recursos permitem: O empoderamento político das comunidades historicamente excluídas (como gays, lésbicas, travestis, transexuais, usuários de drogas, putas, putos, pobres) e promove a real democratização e responsabilização dos processos decisórios; Promove a SUStentabilidade de políticas de Estado, independente dos “ventos”, “cores” e “humores” dos governos. Mais: Transforma, em tempo real, a realidade epidemiológica objeto da ação!

Envolve e trans”forma” unidades de carbono assalariadas produtoras de procedimentos de saúde, em GENTE que planeja, monitora, replaneja, intervém, sofre, chora, comemora, aprende e começa tudo de novo e tudo novo. Gestores que gestam e parem (do verbo parir sem analgesia), se responsabilizam e superam limites jurídicos, burocráticos, de orçamento e execução financeira, prestação de contas e guilhotina (porquê nossos pescoços incomodantes têm uma atração fatal pelo fio da navalha de quem vive na teoria da reforma sanitária, e , talvez por uma miopia galopante, cada vez menos enxerga que a revolução do SUS já começou há muito nos quintais do império).

Então, como e porquê o infeliz chavão: “incluir a agenda das DST/AIDS na agenda da Atenção Básica e do SUS?”. Não vêem que a atenção nos equipamentos do SUS nada têm de básica? Que a defesa da vida é mais do que complexa, e que de básico só tem a repetição pouco criativa dos discursos arcaicos de quem não viu a banda passar? “Incluir a agenda da AIDS na agenda da atenção básica e do SUS” é uma frase nonsense, para não dizer redundantemente burra, (e, às vezes acho, perigosa)!

Não vêem que nós, técnicos e PVHA, frentes parlamentares e sociedade civil organizada, já fizemos leis, (quase) quebramos patentes, construímos redes públicas de assistência e retaguarda laboratorial, produzimos genéricos, salvamos a vida dos outros e a nossa própria vida da impessoalidade ascética do 1,5 pessoas morrem por minuto de AIDS (enquanto a noas, as nobs, o pacto, continuam comemorando a vitória em celulose timbrada, e pactuando virtualmente o politicamente correto)? Já negociamos, descentralizamos, recentralizamos, verticalizamos e horizontalizamos tudo e com todos, milhões de vezes, e mais um milhão de vezes faríamos o raio que o parta for necessário para a defesa da vida, da dignidade, da transparência, da probidade, dos direitos e da cidadania?

Por quê um quarto de vida pra nós é alguém inteiro e que tem nome!

A roda já foi inventada! Nós Somos o SUS que dá certo, vinte anos depois! Nós somos o SUS que planeja e busca financiamento, que negocia em todos os espaços formais e ascendentes e que transforma em verdade o que foi planejado, aprovado e pactuado. A celulose timbrada e assinada pelas autoridades comprova nossas ações nos arquivos de aço da máquina pública, mas, mais do que papel, nosso “fio do bigode” foi lançado e nos compromete a alma com o SUS que desejamos e acreditamos. É nossa a autonomia! É pública e laica, e, venhamos e convenhamos, que história é essa de conferir autonomia a gestores (pra eles gestor é só o secretário de saúde do prefeito da ocasião) que mudam a cada quatro anos ou quatro vezes por ano? A autonomia é do SUS local! É dos Conselhos de Saúde! E, bem vindo seja, mesmo que só por quatro anos, aquele que falar a nossa língua; aquele que não tiver esse idioma no currículo, a gente põe pra fora, ou dependendo do tamanho da pistola política, a gente resiste e espera…

Não podemos nos alinhar ao SUS!!! O SUS é bem maior e nos engloba, fascina e encanta, nos submete e nos alça nas alturas e depois nos atira de cara no chão frio da realidade desigual, e nos desafia a verdadeira revolução do fazer saúde de forma tão diferente, quanto necessário for para fazer entrar primeiro pela porta da frente, de cabeça erguida, toda a diversidade do NOSSO POVO ainda mais excluído depois do “advento” da AIDS.

Para mim, que estou coordenadora do Programa Municipal de DST/AIDS de Campinas, o que preconiza o SUS é investir na gestão da Atenção Básica, assumindo a missão e a responsabilidade da formação e do matriciamento, garantindo a efetiva descentralização dos recursos, vinculando-os aos planos descentralizados das equipes da Atenção Básica. A política do incentivo é mais do que uma caixinha é uma grande oportunidade de legitimar o planejamento em saúde e o cumprimento das metas pactuadas! Óbvio, que se é o que preconiza o SUS, já estamos fazendo isso e colhendo os frutos doces da missão no caminho certo.

Desafios

São muitos… Mas entre os maiores desafios estão a manutenção e ampliação das estratégias do planejamento horizontal e participativo e o desafio que é ACREDITAR EFETIVAMENTE na descentralização dos recursos como estratégia e pressuposto da sustentabilidade das políticas públicas e legitimação do SUS. Também é desafio fomentar, qualificar e fortalecer o Controle Social e, quiçá, reformar a 8666, onde o nosso SUS e a nossa vergonha na cara não cabem mais.

E pra não ficar no discursão, Campinas mata a cobra, mostra o pau e a cobra morta.

O projeto Norô PositHIVa é a primeira experiência brasileira de descentralização com recursos vinculados (e com superação das metas pactuadas, como mais de cem mulheres fazendo fila em um Centro de Saúde pra num mesmo dia colher o teste de HIV e dar entrevista pra TV e incentivar outras mulheres do bairro a fazer o mesmo); Ou cinco “caixinhas” (Planos de Ações e Metas) que foram criadas em Campinas, por deliberação do Conselho Municipal de Saúde, nas Áreas programáticas da Saúde do Trabalhador, na Assistência Integral Domiciliar, na Vigilância em Saúde e Reabilitação.

Pasmem! O gestor local (que geralmente muda de quatro em quatro anos ou quatro vezes no mesmo ano) não foi à falência, as equipes estão cumprindo suas metas e, pasmem mais ainda, o recurso parece triplicar quando é descentralizado. Mais: O Centro de Referência do Programa DST/AIDS de Campinas é uma equipe de verdade. O Conselho Municipal de Saúde tem compromisso de usuários e trabalhadores.