Psicofobia é crime
O Globo -24/06/2012
No desembarque do aeroporto JFK, em Nova York, no começo deste ano, o outdoor que recebia milhares de pessoas diariamente não trazia nenhuma bela foto da cidade ou mensagem de boas vindas. O que os viajantes encontravam era uma enorme propaganda com a mensagem “Relaxe, vai passar, isso é temporário… Se você não diz isso sobre o câncer, também não diga sobra a depressão”. A ironia desconcertante da publicidade reflete muito da imagem que alguns transtornos mentais ainda recebem por parte da sociedade: para alguns, um destempero; para outros, uma fraqueza. Mas a depressão é um transtorno mental dos mais graves e incapacitantes. Dentre as dez principais causas de afastamento do trabalho em todo o mundo, cinco são decorrências de transtornos mentais. A depressão aparece em primeiro lugar.
Para 46 milhões de brasileiros, segundo dados do Ministério da Saúde, a depressão é uma realidade: 20% a 25% da população já tiveram ou têm depressão ao longo da vida. A incapacitação profissional, a falta de interesse e de motivação para participar de atividades sociais rotineiras e de ter prazer nas coisas que gostam e com as pessoas que amam transformam dramaticamente o cotidiano dessas pessoas, o de seus familiares e amigos, trazendo consequências devastadoras. Essa falta de capacidade de se relacionar tem efeitos profundos e duradouros, que dificultam a reinserção social dos que tentam se recuperar de um episódio de depressão.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a depressão e os demais transtornos mentais atingem a muitos brasileiros, o preconceito em torno deles é crescente na sociedade. Já é hora de combater essa discriminação, como atualmente já se faz com os homossexuais, os negros e as mulheres. A expressão psicofobia expressa justamente o nefasto preconceito contra os doentes mentais e os portadores de deficiência.
Se não se deve debochar ou subestimar de doenças como o câncer, conforme apontou o outdoor no aeroporto americano, também não há razão para as doenças mentais não serem encaradas com a seriedade que elas pedem e seus portadores exigem. Há várias formas de preconceito, entre elas a própria negação da doença como algo menor ou passageiro. Como disse Albert Einstein, lamentando a triste época em que vivia, “é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”. Em pleno 2012, ideias preconceituosas devem ser combatidas com veemência. É chegada a hora de a sociedade olhas com maturidade e respeito para os portadores de transtornos mentais. Psicofobia é crime.
Por Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).