Os Brasis em choque
Brasil S.A – Antônio Machado
Correio Braziliense – 26/08/2012
O Brasil pilotado a partir de Brasília nada tem a ver com o país que desbancou em 2011 a Inglaterra como 6ª maior economia global e está no noticiário internacional não mais somente pelo que tem de exótico, das bundas de fora no Carnaval aos índios e à Amazônia. Esse é o Brasil que tem conseguido, a trancos e barrancos, superar as mazelas. O Brasil profundo, que puxa para trás, está na Brasília tumultuada pela greve do funcionalismo e pelos protestos da semana – a cargo de lobbies políticos disfarçados de movimentos sociais.
Ou pelos brasileiros submetidos a congestionamentos quilométricos nas rodovias e a filas em aeroportos, o jeito estúpido do segmento armado do funcionalismo de chamar atenção para suas reivindicações.
Na Via Dutra, flagrou-se próximo a um posto da Polícia Rodoviária Federal um cartaz que avisava: “Passagem livre para traficantes de armas e drogas”. Poderia ter sido afixado por agentes provocadores. Mas maior provocação foi lá ter ficado depois de descoberto. Absolutamente injustificável tem sido também a retenção de insumos importados de primeira necessidade, como reagentes usados em exames clínicos, por funcionários alfandegários e de vigilância sanitária.
Movimentos paredistas no Estado de Direito não estão isentos tanto de obrigações, tais como assegurar o funcionamento das atividades legisladas como essenciais (postos de saúde, delegacias etc.), como de responsabilidades com a segurança pública e o conforto social.
Não se trata de questionar as reivindicações em si. Algumas fazem sentido, como as que se voltam contra os desníveis salariais entre funções idênticas para categorias diferentes. Outras confundem as liberalidades do então presidente Lula noutro momento econômico e político — coincidente com seu esforço para se levantar depois do escândalo do mensalão — com o tempo da presidente Dilma Rousseff.
Os contornos de selvageria que o movimento começa a tomar expõem a fúria das corporações não bem pela frustração de suas demandas, mas pela racionalidade da presidente, ou sua intenção de equilibrar as necessidades sociais, que é outra forma de definir sua ação. Dilma parece corresponder aos anseios da maioria como dizem as pesquisas.
Circunstâncias de Dilma
Premida pelas circunstâncias da crise internacional e pelas arcas federais, engessadas pelos compromissos assumidos pelo governo anterior, Dilma – diferentemente das condições disponíveis a Lula — não pode ser generosa, pois forçada a eleger prioridades e até a convocar o capital privado a investir em obras de infraestrutura.
Isso implica desatender alguns, e ela optou não pelos já muito bem aquinhoados, mas, como afirmou, por quem não dispõe do instituto da estabilidade – privilégio convenientemente nunca precificado, assim como a aposentadoria diferenciada, entre as vantagens salariais dos servidores. Para Dilma, destacam-se as carências da educação e da saúde, vitais aos mais pobres, e da infraestrutura, condições para a economia avançar e permitir a redenção social com bons empregos.
O Palácio achincalhado
Se Dilma está certa ou não, a sociedade é que sabe. Mas desde já é liquido e certo que erradas estão as lideranças que insuflam grupos radicais a tentar invadir o Palácio do Planalto. Na quarta-feira, foram algumas centenas dos poucos que o MST mantém em acampamentos, supostamente à espera de lotes da reforma agrária.
O movimento vive tempos difíceis, já que programas federais como o Brasil sem Miséria e o Minha Casa, Minha Vida, assim como a oferta de empregos, esvaziam o ímpeto dos acampamentos de lonas pretas. Ao apelar ao lance midiático do ataque ao Palácio, o MST mostrou o seu desespero. Já os funcionários que repetiram esse ato como farsa, no dia seguinte, exibiram o despreparo das lideranças sindicais. A greve é legítima, não a baderna para atiçar a tropa de choque da Polícia Militar que protegia o Palácio. É como Lula teria dito aos cardeais da CUT: “O que vocês querem: desestabilizar o governo?”
Pisar em ovos não ajuda
A presidente por duas vezes, na semana, foi impedida de entrar ou sair do Palácio pela porta principal. Foi seu maior incomodo. Não é improvável que a sua aprovação tenha crescido entre os eleitores.
Mas não justifica o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, procurar minimizar a greve, ao afirmar que ela “não prejudica hospitais” — o que apenas informa sobre o nível dos estoques na rede do SUS —, nem Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência e mediador entre o governo e grupos sociais, expor preocupação em não “criminalizar” o movimento. Greve não é crime. Mas forçar a entrada no Palácio é o quê? Pisar em ovos não parece adequado para o que não é razoável.
Do tapete vermelho à PM
O governo deveria ter parlamentado mais amiúde com os servidores, expondo as suas razões e os limites do que e quando pode fazer. Deixou correr solto, o que, num sistema de decisão centralizada que exime os ministros de responsabilidade, aparentou descaso. Faltou a Dilma a sensibilidade para intuir que o sindicalismo público estava acostumado a encontrar tapete vermelho no Palácio, não a PM.
O site do Sindireceita, dos analistas-tributários da Receita, traz a fundamentação dos pleitos. Eles são específicos da categoria, mas a nota esclarece as distorções das faixas salariais e as demandas do funcionalismo, o que não significa que a pedida seja razoável. O que está claro é que a operacionalidade do governo e as normas regulatórias, como as que permitem à Justiça embargar a construção de Belo Monte (assunto para outro dia), se tornaram obstáculos para o desenvolvimento. Talvez o mais sério. E isso não pode continuar.