Médico se forma sem saber básico, diz presidente de Conselho

Revista Exame

Nesta semana, a notícia de que 60% dos recém-formados em medicina reprovaram no exame do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) acendeu a luz amarela sobre a qualidade do ensino da profissão no estado e no país.

Ou seja, de cada 10 médicos, seis não conseguiram acertar mais que 60% das questões da prova.

Nas escolas privadas a situação é alarmante: mais de 70% dos alunos foram reprovados, enquanto nas escolas públicas o índice ficou em 34%.

Nem todo o conteúdo da prova pode ser considerado diícil, segundo o Cremesp. Um em cada seis médicos que acabaram de sair dos bancos da universidade não soube diagnosticar corretamente um caso de tuberculose, por exemplo.

“Os resultados são assustadores”, diz João Ladislau Rosa, presidente da Cremesp. “Que tipo de médico estamos oferecendo à população brasileira?”, questiona em entrevista concedida à EXAME.com.
EXAME.com: Como são os médicos que estão saindo das faculdades?

João Ladislau Rosa: São médicos mal preparados. É a sensação que temos, pelo menos. Um índice de 70% de reprovação é muito alto para uma prova que contém questões simples, de conhecimento básico. Por exemplo, havia uma questão sobre tuberculose e 60% dos estudantes erraram. É impossível um médico não saber fazer um diagnóstico de tuberculose, uma doença tão presente no Brasil.

EXAME.com: Como o Cremesp avalia esse resultado?

Rosa: Esse resultado demonstra que a formação dos médicos no estado de São Paulo peca pela falta de qualidade. Deixa a desejar. O nosso entendimento é de que as escolas de medicina oferecem um ensino de qualidade discutível. Não são todas, claro.

Por um acordo com as escolas, não podemos divulgar quais são as melhores e quais são as piores, porém as escolas públicas tem um índice de aprovação muito melhor do que as privadas.

Dos formados em outros estados, o índice de reprovação também é bem alto: 72,2%, mas em comparação com os que fazem faculdade em São Paulo, a participação dos de outros estados ainda é pequena. Neste ano, foram 2843 participantes formados em escolas paulistas e 485 de outros estados.

EXAME.com: O que explica esse nível de reprovação tão alto nas particulares?

Rosa: Nos últimos 10 anos, o número de escolas no Brasil praticamente dobrou. O Ministério da Educação está autorizando a criação de escolas indiscriminadamente. E não é simples montar uma escola de medicina, é extremamente caro ter uma boa estrutura. Não sei também onde eles arrumam tantos docentes qualificados para dar aula em todas essas escolas.

Além disso, as escolas privadas têm mensalidade de 4 a 7 mil reais. Dificilmente eles vão reprovar um aluno que paga R$ 7 mil todo mês. É complicado. A avaliação pode não ser a melhor por conta disso.

EXAME.com: Qual o objetivo do exame do Cremesp, já que não é obrigatório para atuar como médico?

Rosa: Há 10 anos nós reparamos que havia um aumento no número de denúncias desproporcional ao crescimento do número de médicos. A maioria dessas denúncias era relacionada à má prática, o que está diretamente relacionado à má formação médica. Por isso resolvemos criar esse exame, para avaliar as escolas de medicina e o tipo de profissional que elas formam.

Nosso objetivo é sensibilizar as autoridades brasileiras para fiscalizar as escolas. Além disso, vemos que é necessário a criação de um exame único e obrigatório para o país todo, de caráter eliminatório. Isto é, não passou, tem que voltar para escola, e a escola tem que se responsabilizar pela educação desse aluno.

EXAME.com: O que falta para esse novo exame ser criado?

Rosa: O exame precisa ser criado por uma lei federal. Já existem dois projetos tramitando no Congresso: um que exigiria o exame para todos os formados em medicina e outro que obrigaria todos os profissionais de saúde a fazer uma prova eliminatória no final do curso.

EXAME.com: Há alguma resistência por parte do governo?

Rosa: No MEC sempre existiu uma resistência a esse tipo de exame, assim como dentro das entidades médicas, tanto que ele só é realizado em São Paulo. Mas com os resultados que estamos conseguindo aqui, estamos ganhando apoio de entidades do Brasil inteiro. Os resultados são assustadores. Qual é a qualidade dos médicos que estamos oferecendo à população brasileira?