Derrota de Chávez em referendo é alerta, avalia Gilberto Maringoni
Para comentar a derrota do governo venezuelano no plebiscito sobre as reformas constitucionais propostas por Hugo Chávez, o Correio da Cidadania entrevistou o jornalista e historiador Gilberto Maringoni. De acordo ele, autor do livro “A Venezuela que se inventa”, o resultado das urnas na Venezuela é um alerta a Chávez para que haja uma reaproximação com setores moderados e um reparo nas insuficiências do processo de reformas iniciado com a chegada do presidente ao poder em 1999.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Correio da Cidadania: Qual você acredita ter sido o principal fator que levou Chávez à derrota no plebiscito sobre a reforma constitucional?
Gilberto Maringoni: Se olharmos os números, vemos que a oposição manteve a quantidade de votos conseguida nas eleições passadas. O que houve foi uma abstenção de quase metade do eleitorado; o surpreendente não foi a oposição ter ganho, mas sim o chavismo ter reduzido sua votação.
CC: Tamanha abstenção foi, então, a única causa da derrota? Por que tantos chavistas não compareceram às urnas?
GM: Segundo Chávez, essa foi a causa. O certo é que não foi a oposição quem ganhou, mas sim o governo quem perdeu. Claro que, ainda observando os números, houve uma vitória da oposição por uma pequena margem, mas não se pode ficar dizendo que “foi apenas por uma pequena margem” como maneira de amenizar a situação e resolver o problema. Quando diz que a abstenção ganhou, Chávez passa um dado real, mas não diz qual é a causa disso. Ele não fala quais foram as razões que motivaram os seus apoiadores a não comparecer às urnas para aprovar a reforma constitucional, forçada por ele como se fosse uma espécie de plebiscito que o aprovasse.Tais fatores são vários. Precisam ser procurados nas insuficiências de um processo que evoluiu bastante desde 1999, mas que ainda possui problemas. Como principais questões conjunturais, que aconteceram de um ano para cá, temos a certa “forçada de mão” que o governo e Chávez deram em alguns episódios.
O primeiro desses é a formação do PSUV, o Partido Socialista Unificado da Venezuela. É um partido criado de cima para baixo, que foi formado desta maneira pois não existem movimentos sociais autônomos na Venezuela. O partido tem 6 milhões de militantes, mas estes não compareceram às urnas – se o tivessem feito, as mudanças na Constituição teriam sido aprovadas. Há problemas na estruturação do partido e em sua participação no governo – Chávez diz que “quem está com ele está no PSUV”. O governo Chávez tem uma característica de não ter sido resultado de movimentos de massa, mas sim de um cansaço popular com o projeto neoliberal das décadas de 80 e 90 e da crise vivida no país que não resultou em um crescimento da mobilização popular.Isso fez com que não houvesse movimentos autônomos. O que existe são iniciativas políticas populares tomadas pelo governo.O grau de fragmentação da sociedade venezuelana resultante dos 40 anos de democracia do Pacto do Ponto Fijo, estabelecido em 1961, e da crise estrutural enfrentada no país durante os anos 1980 e 1990 criou uma sociedade com um potencial de rebeldia muito grande, mas de escassa organização.
CC: Desde que foi levado ao poder, em 1999, Chávez não foi capaz de aglutinar os descontentes no país?
GM: Ele conseguiu aglutinar de certa forma, mas se vemos organizações como a UNT, central sindical do país, trata-se de uma organização sem vida autônoma, sem muita expressão.Isso faz com que as mobilizações no país sejam apenas de apoio a Chávez, como observamos durante o golpe de 2001 e em suas vitórias nas eleições.
CC: Quais outros motivos contribuíram para a ausência de chavistas nas urnas?
GM: As brigas que Chávez comprou, algumas delas bem difíceis, também contribuíram. Criticar a Igreja Católica, às vésperas do referendo, foi muito danoso à sua imagem; todos sabem que a Igreja venezuelana é golpista, conservadora, mas chamar os bispos na TV de “vagabundos” provoca sentimentos no povo que são complicados. Ele começou a brigar com aqueles que, toda semana, estão no púlpito falando diretamente com seus fiéis. A não-renovação da RCTV – que embora em mérito Chávez tenha sido corretíssimo ao não permitir a continuação das transmissões pela emissora – foi uma decisão tomada de maneira pouco pedagógica para a população. O presidente tinha a prerrogativa legal para não renovar a concessão, mas não foi feito um grande debate nacional sobre a democratização das comunicações, não foi criado um método para tornar tal fato uma questão de formação política, que informasse à população o que é um monopólio, a razão pela qual não deveria ser renovada a concessão da RCTV e qual a razão pela qual a rede não poderia participar de um golpe de Estado e continuar impune.Não sei se a melhor maneira deveria ter sido levar o caso à Justiça ou à Assembléia nacional, onde Chávez também ganharia por ter quase a totalidade das cadeiras. Fazer isso por um decreto é incômodo – como explicar para a população que ela não terá mais a sua novela? Além disso, a emissora colocada no ar é de muito baixa qualidade, é uma emissora oficial no pior sentido da palavra.Essas batalhas foram complicadas. No caso da discussão com o rei da Espanha, Chávez estava certo, então não foi um problema. Porém, a briga com o presidente Álvaro Uribe, da Colômbia, veio em péssima hora; Chávez caiu em uma armadilha.
De qualquer maneira, Uribe iria romper o diálogo com as FARCs, e o presidente venezuelano foi até condescendente demais ao levar a questão adiante. Uribe esperou para terminar o diálogo exatamente antes do referendo, procurando desgastar a imagem de Chávez. Avaliações de colegas venezuelanos também dão conta de problemas internos do governo, de ineficiência de serviços públicos, questões administrativas. O fato é que essa derrota de Chávez não é o fim do mundo, mas sim um alerta. O presidente desfruta de uma popularidade igual a que tinha durante as últimas eleições, de algo em torno de 60%. O que aconteceu foi um desligamento dos setores moderados ou para o “não” ou para a abstenção.