Aborto: pelo direito de escolha
Paula Thomaz, na CartaCapital
Uma das eleições mais disputadas da nossa história foi marcada por uma ofensiva conservadora, que levou aos debates entre os candidatos à presidência José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) temas como união civil entre pessoas do mesmo sexo, consumo de drogas e aborto. Alguns meses depois, pelo menos uma parte da discussão não está encerrada. Uma pesquisa encomendada pela ONG Católicas pelo Direito de Decidir (CDD) ao IBOPE, realizada com 2.002 pessoas de 140 municípios brasileiros, retoma uma delas, e talvez a mais polêmica: o direito ao aborto, levando em consideração as circunstâncias em que ocorreu a gravidez.
Tema que se tornou um artifício condenável entre políticos e religiosos para sair na frente com o eleitorado, ganhou status não merecido. E se fez passar por uma decisão a ser tomada pelas instituições sociais como Igreja, Poder Judiciário, Congresso Nacional, ou Presidência da República. Mas o estudo aponta outra realidade: 61% da população acredita que a decisão sobre a interrupção da gravidez não planejada é da mulher; enquanto 5% acha que as instituições sociais é que devem dar a palavra final. Ou seja, a população pensa que a questão não deve ser tratada no âmbito público, mas sim privado e que, ironicamente, é “a instituição social que mais cria obstáculos no avanço da legislação para garantias dos direitos reprodutivos da população”, afirma Rosângela (veja gráfico).
Outro dado relevante da Pesquisa de Opinião Pública sobre o Aborto, divulgado pelo IBOPE/CDD, mostra que 66% da população brasileira acredita que nenhuma mulher pode ser obrigada a ser mãe quando está em risco de morte; e para 65%, ela pode interromper uma gravidez quando o feto não tem nenhuma chance de sobreviver após o nascimento (Veja gráfico).
Pela legislação brasileira, o aborto já é permitido nos casos de estupro ou quando a gravidez representa risco de morte da mãe. Ainda é possível conseguir autorização judicial quando o feto é anencéfalo (sem cérebro). Mas esse caso, especificamente, ainda é uma barreira para algumas mulheres.
Em Santa Adélia, interior de São Paulo, uma mulher grávida de 12 semanas de um bebê anencéfalo, foi proibida, temporariamente, de fazer o aborto por um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Há 15 dias a mãe havia conseguido autorização para o procedimento que seria realizado na última segunda-feira 21. Num caso como esse, em que o feto não tem nenhuma chance de sobreviver após o nascimento, de acordo com o levantamento do IBOPE, 65% da população é favorável ao aborto.
O impasse e o desconforto gerados à mãe poderiam ter sido aliviados por uma decisão ainda não tomada pelo Superior Tribunal Federal (STF) onde desde 2004 tramita uma pauta sobre o aborto anencéfalo. O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo dessa liminar, irá julga o tema em março. “Esse resultado é muito importante porque a inclusão desse permissivo legal na legislação facultaria as mulheres o direito de decidir sobre a interrupção da gravidez, independente de autorização judicial, que pode ser concedida e ter sua autorização suspensa por liminar”, acredita a coordenadora da pesquisa.
O assunto ainda caminha a passos lentos para se tornar uma questão de saúde pública apesar de estar presente entre os itens do 3º Programa Nacional deDireitos Humanos, estabelecido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro de 2010 – alvo de críticas da CNBB e arma do PSDB contra Dilma durante a corrida presidencial.
Para Maria José Rosado, presidente da ONG Católicas, o Congresso “seria o lugar certo, mais livre da coação de grupos religiosos ou fundamentalistas, do que aconteceria na hipótese de um plebiscito. O Congresso é o fórum possível para este debate, que é uma questão de saúde pública “.
Enquanto isso, os números são alarmantes. No Sistema Único de Saúde (SUS) são realizadas 180 mil curetagens por ano, decorrente de abortos provocados, pois espontâneos não exigem internação, segundo o Ministério da Saúde. Outra estatística que demonstra a gravidade dos abortos ilegais é que chegam a causar 15% de mortes, a quarta maior causa de óbitos de grávidas no país.
A pesquisa IBOPE/CDD ainda revela que para 96% da população não é papel do governo prender as mulheres que realizam um aborto nessas condições, mas sim o de oferecer atendimento nos hospitais públicos, sendo que 48% pensa que deveria convencer a mulher a levar a gravidez adiante, oferecendo pensão alimentícia, com dinheiro arrecadado pelos impostos; 40% oferecer atendimento em hospitais para que a mulher interrompa a gravidez, caso ela queira. Outros 8% não sabm e 4% deveria prendê-la.
Compromisso com a nação. Pouco antes de tomar posse como ministra da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres, Iryni Lopes criticou a criminalização do aborto. Na época afirmou que não via “como obrigar alguém a ter filho que ela não se sente em condições de ter. Ninguém defende o aborto, é respeitar uma decisão que, individualmente, a mulher venha a tomar”. Em entrevista recente ao portal Congresso em Foco, ela revelou mais cuidado ao tratar do assunto. “Eu cumprirei a orientação do governo, cumprimento da lei. Foi esse o compromisso que a Dilma fez com a nação. Nenhuma legislação nova sobre o aborto será enviada ao Congresso”.
Religião. Quando levada em consideração a religião dos participantes da pesquisa, verificou-se que os que se declaram da religião evangélica são menos permissivos ao aborto, quando comparados com as pessoas das outras religiões ou sem religião. Os católicos mostraram ter posição mais favorável ao aborto do que as pessoas de outras denominações religiosas, com exceção dos sem religião ou que se recusaram a declarar a religião, o que mostra divergência de pensamento em relação ao da instituição religiosa a que pertencem que, reiteradamente, tem se posicionado de forma contrária ao direito de decidir das mulheres, tão apregoado durante a campanha eleitoral à presidência por uma parcela da igreja.
Fonte: Carta Capital (25/02/2011)
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