Inibidores de apetite em destaque na saúde pública
ENTREVISTA: Francisco Paumgartten (ENSP/Fiocruz)
Fonte: Informe Ensp
Elisa Andries
De um lado, a Anvisa defende a proibição da venda, no país, de sibutramina e de mais três inibidores de apetite; de outro, médicos, farmacêuticos e até mesmo representantes do Ministério Público, juntos, tentam barrar a resolução. A audiência pública para tratar da questão aconteceu na quarta-feira (23/2) em Brasília, e o resultado do embate, diante da pressão, foi o adiamento da edição da medida por parte da Anvisa. Uma semana antes, a Anvisa havia previsto a edição da resolução no início de março. Depois da audiência pública, não falava mais em prazo.
A indicação da Anvisa para cancelar os registros desses remédios é baseada em estudos internacionais e no parecer da Câmara Técnica de Medicamentos (Cateme), instância consultiva da agência, da qual faz parte, entre vários outros especialistas, o médico e pesquisador Francisco Paumgartten (ENSP/Fiocruz). Entre os estudos citados está o que foi publicado na New England Journal of Medicine, que acompanhou dez mil pacientes em 16 países e revelou que houve aumento de 16% do risco de complicações cardiovasculares entre usuários de sibutramina. Por conta desses resultados, a substância foi banida nos Estados Unidos e na Europa.
Em entrevista ao Informe ENSP, Paumgartten fala sobre os riscos que os inibidores de apetite em questão representam para a saúde do paciente, sobre o embasamento científico do parecer da Cateme e sobre a polêmica criada pelo posicionamento da Anvisa.
Informe ENSP: A Anvisa pretende proibir a venda de sibutramina e de outros três inibidores de apetite (anfepramona, femproporex e mazindol) – substâncias já banidas nos Estados Unidos e na Europa. Por quê?
Francisco Paumgartten: A preocupação com a segurança e a eficácia da sibutramina foi tema recorrente em reuniões da Câmara Técnica de Medicamentos (Cateme), realizadas durante o ano de 2010, e até mesmo antes. Essas preocupações se acentuaram com a divulgação dos resultados preliminares, e depois definitivos, de um estudo pós-registro de longa duração sobre a segurança cardiovascular da sibutramina (SCOUT – Sibutramine Cardiovascular Outcome Trial) envolvendo mais de dez mil pacientes obesos com doença cardiovascular, diabetes, ou com as duas condições. Médicos da indústria (Abbott Laboratórios) responsável pelo estudo, e endocrinologistas por ela convidados, apresentaram e discutiram os resultados parciais e finais do SCOUT com a Cateme e técnicos da Anvisa. O SCOUT mostrou que a sibutramina aumentou significativamente o risco de eventos cardiovasculares adversos nos pacientes tratados. O aumento do risco cardiovascular indica que a sibutramina não foi eficaz em reduzir a morbidade cardiovascular associada ao excesso de peso. Esse aspecto – independente de outras questões – é crucial, pois o objetivo do tratamento da obesidade é a atenuação da morbidade associada à obesidade e não a redução de peso em si.
Os resultados do SCOUT levaram a Agência Europeia de Medicamentos a retirar a sibutramina do mercado ainda no início de 2010. A Agência Americana (FDA) inicialmente restringiu o uso e alertou prescritores; meses depois, face aos resultados definitivos do SCOUT, retirou a sibutramina do mercado. No Brasil, recomendações sobre a permanência da sibutramina no mercado não poderiam ser feitas sem considerar as evidências de segurança e eficácia disponíveis para os demais inibidores de apetite registrados pela Anvisa (fenproporex, anfepramona e mazindol). Em outubro de 2010, a Cateme recomendou à Anvisa o cancelamento do registro dos quatro anorexígenos.
Informe ENSP: Diante da pressão dos médicos, farmacêuticos e representantes do Ministério Público, a Anvisa adiou a edição da medida. Na semana anterior à audiência pública, a agência havia previsto a edição da resolução no início de março. Logo depois, já não falava mais em prazo. A Anvisa corre o risco de perder essa guerra?
Francisco Paumgartten: A polêmica era previsível e deve ser encarada com naturalidade como parte do processo de regulação do mercado. Quando a autoridade sanitária cumpre a missão que a sociedade lhe confiou e retira do mercado medicamentos ineficazes e perigosos, ela, inevitavelmente, contraria interesses de diversas naturezas. No caso dos anorexígenos, as manifestações contrárias à retirada do mercado são expressas fundamentalmente por prescritores desses medicamentos (endocrinologistas e especialistas em obesidade) e pelo setor de farmácias magistrais. Retificando a pergunta, não há pressão do Ministério Público, o que houve na Audiência Pública foi o posicionamento isolado de um promotor do Distrito Federal.
A transparência adotada pela Anvisa nessa questão é altamente louvável. A veemência das manifestações contrárias na audiência pública e na mídia deve ser encarada com naturalidade num Estado democrático.
Deve-se destacar, entretanto, a decisão do órgão técnico (Anvisa), que deve se basear na melhor evidência científica disponível, e não na retórica dos descontentes e no ruído na mídia. Apesar da veemência das manifestações dos setores contrários à retirada do mercado, nenhum estudo clínico ou dado científico novo foi apresentado que viesse a abalar os fundamentos da conclusão da Cateme e das decisões do FDA e da Agência Europeia (EMA) em relação à sibutramina e demais anorexígenos.
Informe ENSP: A indicação da Anvisa de cancelar os registros desses remédios é baseada em estudos internacionais e em parecer da Câmara Técnica de Medicamentos (Cateme), instância consultiva da agência. Quais são os principais pontos deste estudo?
Francisco Paumgartten: Em relação à sibutramina, o mais moderno e mais estudado dos quatro inibidores do apetite, os resultados do estudo SCOUT evidenciando o risco cardiovascular aumentado foram decisivos para a conclusão da Cateme e para a retirada dos mercados europeu, norte-americano, canadense e australiano. Além do SCOUT, os resultados de uma série de outros estudos e meta-análises corroboram a conclusão da Cateme de que os riscos da sibutramina superam os esperados benefícios do seu uso no tratamento da obesidade. A relação risco-benefício é ainda mais desfavorável no caso dos demais anorexígenos, que foram banidos na maioria dos países há muitos anos. O fenproporex, que é transformado em anfetamina no organismo, exibe alto potencial de uso indevido e adição, e efeitos típicos da anfetamina, entre os quais a indução de quadros psicóticos e sérios riscos cardiovasculares. Nos EUA, o fenproporex, contrabandeado do Brasil, é conhecido como Brazilian diet pill e usado de forma ilícita. A relação risco-benefício também é amplamente desfavorável nos casos do mazindol e anfepramona.
Informe ENSP: Nota técnica da área de Farmacovigilância e da Gerência de Medicamentos da Anvisa concluiu que a sibutramina não seria muito eficaz na redução e manutenção do peso a longo prazo. Você poderia falar algo sobre isso?
Francisco Paumgartten: A perda de peso causada pelos anorexígenos é mais acentuada nas primeiras semanas de tratamento. Com a continuidade do tratamento farmacológico, há, via de regra, uma recuperação de parte do peso que havia sido inicialmente perdido. A interrupção da administração do inibidor de apetite produz franca recuperação do peso que havia sido perdido com o tratamento.
É importante salientar que há expressiva variação entre indivíduos na resposta aos tratamentos anorexígenos. Alguns pacientes respondem melhor em termos de redução de peso, enquanto outros não respondem ou até ganham peso. Pode-se dizer que em média a perda de peso adicional conseguida com o tratamento farmacológico, em relação ao que é conseguido apenas com dieta e exercícios, é apenas modesta e não é mantida com a interrupção do tratamento.
Informe ENSP: A principal alegação dos especialistas que se opõem à Anvisa é que a proibição deixaria sem opção de tratamento pacientes obesos, que, por sua condição, enfrentam riscos muito maiores do que os oferecidos pela substância. Qual seria a alternativa para esses pacientes?
Francisco Paumgartten: Trata-se de argumento falacioso. Medicamentos que não são seguros e eficazes não são opções aceitáveis para o tratamento da obesidade ou de qualquer outra condição. A dieta e os exercícios permanecem como opções seguras e eficazes para o tratamento da obesidade. Certamente, a redução de peso alcançada com exercícios físicos e reeducação alimentar é acompanhada por diminuição da morbidade associada ao excesso de peso. Isto não foi demonstrado com os anorexígenos. No estudo SCOUT, por exemplo, apesar de reduzir o peso, a sibutramina não só não atenuou como até mesmo aumentou o risco de enfarte do miocárdio e acidente vascular encefálico, comorbidades associadas à obesidade.