A classe operária vai ao paraíso dos planos de saúde
Consumir e consumir: consultas, exames, mais consultas e outros exames. Só tendo um plano de saúde para consumir assim, livremente, abrindo o livrinho e escolhendo, provando de cada especialidade, experimentando e testando os médicos, as clínicas e o próprio corpo.
Poder se ver por dentro, repetidas vezes, mostrar aos amigos e parentes, comentar detalhes, ouvir opiniões, comparar, saber se a saúde está perfeita e se o corpo está normal. Tudo isso custa caro, mas já dá para muitos ter plano de saúde por meio da empresa onde trabalha ou para alguns outros porque a renda subiu e já dá para pagar uma mensalidade de plano particular.
Mas será que vale a pena? O médico escolhido e recomendado não tem horário disponível. As clínicas estão lotadas e a espera por atendimento é de horas. A consulta é muito curta, não dá tempo de explicar todos os problemas. O médico não consegue responder a todas as perguntas. Não tem vaga para retorno. É necessário consultar outro especialista. Será mesmo necessária a cirurgia, ou o médico só quer ganhar um pouco mais do plano? Depois, a operadora custa a autorizar o exame caro. Será preciso pagar particular. A cirurgia talvez só seja autorizada com liminar da justiça. E daí, o plano vai pagar a fisioterapia?
Mas o plano do gerente da empresa e do pessoal do RH é muito melhor, tem um livrinho bem maior, clínicas sem filas, hospitais que têm muito mais equipamentos, quartos particulares com TV e frigobar e os exames caros nem precisam de autorização.
No final do mês o salário virá com desconto da mensalidade e da participação nos exames e consultas. Mesmo assim será preciso trabalhar mais, se esforçar mais, chegar mais tarde em casa, suportar as injustiças e a exploração no trabalho para não perder o emprego e com ele o plano. E se usar demais a empresa pode não gostar porque o plano vai subir muito. Em caso de doença grave e afastamento do trabalho, a empresa vai tirar o plano e o tratamento terá que ser interrompido. E na aposentadoria, só dá para ter plano pagando plano por conta própria, um valor altíssimo por causa da idade.
O que muitos não sabem é que esse dinheiro gasto pela empresa será repassado para o preço das mercadorias e serviços, fazendo subir o custo de vida e desvalorizar o salário. E boa parte desse dinheiro que encarece a vida terá ido para o bolso dos donos nacionais e estrangeiros das operadoras, dos aplicadores da bolsa de valores, dos corretores, das administradoras de planos, das empresas seguradoras dos lucros das operadoras (sim, isso existe), para os vendedores de reagentes de exame de laboratório, de filmes de raio X, para pagar a comissão do médico que coloca a prótese na cirurgia, etc.
E o dinheiro faltará para o SUS porque as empresas vão descontar seus gastos do imposto de renda que teriam que pagar. E justo o SUS que está lá para socorrer a todos de forma justa e igual, sem cobrar nada e sem negar atendimento, continuará não tendo vagas e fazendo todo mundo querer ter plano de saúde…
Assim como o herói Lulu do belo filme italiano de Élio Preti, A Classe Operária Vai ao Paraíso, somente depois de muita dor e sofrimento é que se perceberá que o sonho consumista de ter plano de saúde é um paraíso inexistente, que nos torna escravos do mercado, nos distanciando da luta por uma sociedade mais justa e pelo bem comum que o SUS representa.