A crise do SUS é a crise da assistência médico-hospitalar, no Brasil e em Mato Grosso. Por Júlio S. Muller
Temos o que comemorar no Dia Mundial da Saúde
Dia 29 de Março participei de um fórum na UFMT sobre o futuro da gestão do sistema público de saúde em Mato Grosso. Ali debatemos durante toda a tarde as alternativas existentes para melhorar a saúde de nosso povo e atender com eficiência e humanidade às suas necessidades. Confesso que ao término do debate eu estava mais otimista que em seu começo. Estudantes e professores da universidade e dezenas de entidades de trabalhadores e usuários da saúde marcaram presença, defenderam o SUS e denunciaram o sucateamento a que foi submetido o sistema público de saúde em Mato Grosso. Cabe reconhecer e agradecer ao novo governo do estado a oportunidade do debate. Vamos comemorar a retomada da participação social em Mato Grosso, livre e autônoma, no dia 07 de Abril, dia mundial da saúde. A depender de seus posicionamentos, os conselhos de saúde correm o risco de perder legitimidade.
Defendi o ponto de vista que o objeto central da discussão é político, ou melhor, da ausência de política de saúde para Mato Grosso, e não jurídico ou administrativo. A questão da legalidade ou da eficiência desta ou daquela modalidade de gestão é importante, mas não pode escamotear o fato de que hoje não sabemos para onde vamos e estamos perdendo a confiança em nossos dirigentes. Com efeito, há seis meses, em setembro de 2010, um mês antes das eleições, o discurso de nossos governantes era que a saúde pública no Estado estava perfeita. Hoje, o discurso mudou, a saúde pública está um caos e a única salvação é o governo estadual abrir mão da gestão direta de suas cinco (5) unidades hospitalares para “organizações sociais”, vindas de fora do Estado, porque por estas bandas não temos administradores hospitalares. Simples assim.
Ser eficiente e economizar dinheiro público são obrigações do gestor público, não é política de saúde. O que fazer com os recursos poupados, apenas comprar ambulâncias? Como vamos enfrentar as duas principais causas de morte e também responsáveis por boa parte das internações hospitalares em Mato Grosso: as doenças cardiovasculares e a violência? Os problemas de saúde decorrentes da violência, como os acidentes de trânsito, geraram um custo de um bilhão de reais em 2010, em Mato Grosso, sem falar no imenso custo social. A hipertensão arterial, a famosa pressão alta, pode ser enfrentada e controlada de modo muito mais eficaz e com maior custo-efetividade com o programa saúde da família e com atividades físicas e nutricionais nos bairros, integrados a uma rede de serviços ambulatoriais especializados. A estratégia da saúde da família no Brasil é uma política reconhecida internacionalmente, como evidencia o editorial do British Medical Journal, Nov. 2010 (http://www.bmj.com/content/341/bmj.c4945.full). Tal política melhoraria a qualidade de vida de nossa população de risco para a hipertensão e desafogaria os hospitais e UTIs que hoje recebem os pacientes em estado grave e muitas vezes já irreversível.
A crise do SUS é a crise da assistência médico-hospitalar, no Brasil e em Mato Grosso. Aproximadamente dois terços (2/3) dos gastos públicos em saúde no estado são gastos com a rede hospitalar. O setor privado detém 70% dos leitos da rede hospitalar do SUS em MT. Em conseqüência, a crise da assistência médico-hospitalar do SUS no estado não é apenas do setor público, dos hospitais do estado, mas do conjunto da rede hospitalar. A crise é decorrente principalmente do subfinanciamento que afeta o setor saúde há vários anos e também da má gestão que afeta toda a rede, mas cuja incidência é maior no setor público-estatal. E na rede pública a responsabilidade é, sobretudo, dos dirigentes políticos que usam a saúde como moeda de troca no jogo clientelista, a exemplo dos hospitais de Cáceres e Rondonópolis. As “organizações sociais” não eliminam estas causas da crise, podendo agravá-la, na medida em que diminui o controle social. O “diagnóstico” da crise está errado e o “tratamento” também. E as conseqüências, como sempre, sofrerão os usuários do SUS e os trabalhadores da saúde.
Finalmente, cabe perguntar: se o governo estadual reconhece sua incapacidade para administrar cinco hospitais regionais, com apenas oito (8%) dos leitos do SUS, como poderá regular, controlar e avaliar o conjunto da rede privada contratada hoje, mais ou menos 3.500 leitos hospitalares?
Júlio S. Muller Neto é médico sanitarista e professor do ISC/UFMT