A descriminalização do aborto e o direito à cidadania das mulheres
Gabriele Carvalho – Via CFEMEA.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) vem a público manifestar sua posição em relação à descriminalização do aborto, tendo em vista publicação de matéria no dia 10 de março de 2012, do jornal Folha de São Paulo, intitulada “Grupo aprova liberação de aborto com aval de psicólogo” e a aprovação, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da opção pelo aborto no caso de fetos anencéfalos.
Segundo a matéria, a comissão de juristas criada pelo Senado Federal para elaborar o novo Código Penal aprovou um anteprojeto que prevê, entre outros pontos, a ampliação dos casos em que o aborto é legal. Pela proposta, não é crime a interrupção da gravidez até a 12ª semana quando, a partir de um pedido da gestante, o “médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade”. Inicialmente, a ideia da comissão era propor que essa autorização fosse apenas dos médicos, mas acabou estendida aos psicólogos.
Atualmente, o aborto no Brasil é crime previsto no artigo 128, incisos I e II do Código Penal Brasileiro. A lei data da década de 20 e autoriza a interrupção da gestação em apenas dois casos: risco de vida para a mãe e/ou estupro.
A votação favorável por liberar o aborto de anencéfalos realizada pelo Supremo Tribunal Federal, em 12 de abril de 2012, por 8 votos a 2, vem a favor do direito das mulheres de interromper a gravidez no caso deste tipo de gestação.
Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Instituto Guttmacher, nos Estados Unidos, chamado “Aborto Induzido: Incidências e Tendências pelo Mundo de 1995 a 2008?, revelou que as interrupções de gravidez sem assistência clínica – ou seja, de risco e clandestinas – aumentaram de 44 para 49 por cento e que 220 em cada cem mil mulheres acabam morrendo , principalmente no continente africano. O estudo foi publicado no periódico The Lancet.
Segundo o estudo, em todo o mundo, os abortos inseguros foram a causa de 220 mortes por 100 mil procedimentos em 2008 – 35 vezes mais do que a taxa de abortos legais nos Estados Unidos – e de quase uma em cada sete do total de mortes maternas. As regiões que correm mais riscos de aborto inseguro são a América Central e do Sul, além da África Central e ocidental, onde 100% de todas as interrupções da gravidez foram inseridas nesta categoria. Anualmente, cerca de 8,5 milhões de mulheres em países em desenvolvimento sofrem complicações sérias decorrentes do aborto sem condições de segurança.
O relatório também alertou sobre o uso crescente do medicamento chamado misoprostol, utilizado no tratamento de úlceras gástricas. Apesar de ser ilegal, seu uso tem aumentado em países onde há leis restritivas ao aborto.
No Brasil, a OMS estima que 31% dos casos de gravidez terminam em abortamento (quase três em cada dez mulheres grávidas abortam). Já conforme estimativas do Ministério da Saúde, todos os anos ocorrem cerca de 1,4 milhão de abortamentos espontâneos e ou inseguros, com uma taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres de 15 a 49 anos.
Com base nestes dados, percebemos que a lei atual impede que estas mulheres tenham direito a sua cidadania e aos seus direitos humanos sexuais e reprodutivos, direitos estes estabelecidos por importantes Conferências Internacionais de Direitos Humanos que produziram Documentos dos quais o Brasil é signatário.
Sabe-se que a lei que criminaliza o aborto não impede, ou sequer reduz a sua incidência, e não dá conta da complexidade da questão. O debate sobre a liberdade de optar por não seguir com a gestação é distante da realidade e necessidades das mulheres.
O CFP se posiciona conforme os Tratados Internacionais assinados pelo Estado brasileiro, nos quais o governo se compromete a garantir o acesso das mulheres brasileiras aos direitos reprodutivos e aos direitos sexuais, referendando a autonomia destas frente aos seus corpos.
O conselho também segue os encaminhamentos do VII Congresso Nacional de Psicologia (CNP), entre eles a discussão dos Projetos de Lei que regulamentam o aborto seguro e a garantia do diálogo com os movimentos que lutam pela legalização do aborto.
Lembramos ainda a moção aprovada no VII CNP, de apoio à legalização do aborto:
“Reconhecendo tanto a complexidade do tema, quanto os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e entendendo a situação de sofrimento decorrente da criminalização e da falta de acesso aos serviços de saúde, os/as delegado(as) do VII Congresso Nacional de Psicologia vêm manifestar seu apoio à legalização da prática do aborto no Brasil, independente de a gravidez ser decorrente de violência ou haver risco de morte para a mulher.”
O CFP tem ainda como diretriz-base o Código de Ética Profissional do Psicólogo que determina, segundo os seus Princípios Fundamentais, que:
“O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.”
E ainda, de acordo com o Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão;
b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais.
O CFP luta pela promoção da saúde da mulher, tanto física quanto mental, e pelo reconhecimento e integração dos diversos momentos e vivências na subjetividade da mulher, entre eles a decisão de ter filhos. Defendemos, sobretudo, o acolhimento e escuta para as mulheres em situação de aborto!