A desigualdade no combate ao câncer no Brasil
Correio Braziliense – 30/04/2012
Oncologista clínico, é membro do Grupo Brasileiro de Estudos em Câncer de Mama (Gbecam)
O Dia Nacional de Combate ao Câncer de Mama foi instituído como oportunidade para reflexão sobre as dificuldades do diagnóstico e tratamento da neoplasia que mais mata mulheres no Brasil. Não era para ser assim. A doença pode ser prevenida, diagnosticada precocemente, tratada, controlada e, em muitos casos, até mesmo curada.
Recente pesquisa apresentada no Encontro da Sociedade Americana de Combate ao Câncer mostra que, nos EUA, a redução da mortalidade por câncer e o aumento da sobrevida chega a resultado surpreendente: pacientes morrem por outras causas, não oncológicas.
No Brasil, há também casos de sucesso no tratamento. Uma paciente conhecida descobriu, há mais de 10 anos, um dos tipos mais agressivos de câncer de mama. Mas, nesse período, criou uma filha, abriu uma empresa, continua viva e ativa.
Ainda não dá para se falar em cura em todos os casos. Mas houve grande avanço no controle da doença e na qualidade de vida dos pacientes. O marco divisório no combate ao mal, nos últimos anos, foi o surgimento das terapias-alvo, medicamentos que anulam proteínas específicas envolvidas no crescimento dos tumores e freiam a evolução da doença.
Acontece que cada tumor tem um perfil genético específico, podendo ser mais ou menos agressivo, o que demanda tratamentos personalizados. É o caso da proteína HER-2, presente em 25% das pacientes com câncer de mama. Outros tumores expressam receptores hormonais como o estrogênio e a progesterona. Mesmo em casos em que nenhuma dessas características predomina, existem medicamentos que impedem a formação de vasos sanguíneos nos tumores e podem ajudar no tratamento.
Só que os avanços ainda estão distantes da grande maioria da população, pela falta de investimento e da consequente infraestrutura precária do sistema de saúde no país. O setor público brasileiro, incluindo os níveis federal, estadual e municipal, investe menos da metade que a média dos países desenvolvidos e menos até que os sul-americanos Argentina e Chile.
Reflexo disso é a alta desigualdade no diagnóstico e na assistência médica aos pacientes com câncer de mama retratada em estudo recentemente publicado na conceituada revista Lancet oncology, em março passado. O levantamento realizado pelos pesquisadores da Universidade de Harvard e do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (Gbecam) mostra que o acesso à terapia anti-HER-2, na rede pública, é restrita a 5,6% das pacientes, enquanto que, entre as que possuem planos de saúde, o número chega a 56%.
Em relação ao diagnóstico, 37% das pacientes atendidas na rede pública descobrem a doença em estágio avançado. Já entre as que possuem planos privados de saúde, o número cai para 16%. O resultado é que, nos Estados Unidos, 61% dos casos de câncer de mama são diagnosticados em estágio inicial, enquanto que, no Brasil, apenas 20%. Há ainda desigualdades regionais gritantes. Por exemplo, na Região Norte, 46% dos casos são diagnosticados em estágio avançado. No Sul, a porcentagem é de 25%.
De 2009 e 2010, apenas 9,6% da população de mulheres entre 50 e 69 anos do rastreamento realizou o exame de mamografia na rede pública. Com a promulgação em 2009 da lei que garante a realização da mamografia às mulheres a partir de 40 anos no Sistema Único de Saúde (SUS), a expectativa é que os números melhorem, principalmente no que diz respeito ao diagnóstico precoce da doença, o que aumenta as chances de cura.
A esperança para a melhoria do tratamento de câncer na rede pública pode estar no investimento anunciado recentemente pelo Ministério da Saúde de R$ 505 milhões para os próximos cincos anos. Entre outras ações, há previsão de construir 32 novos centros de radioterapia.
No momento em que o governo demonstra dar prioridade ao combate ao câncer, chegou a hora da mobilização de médicos, associações de pacientes e sociedades médicas para colocar o Brasil em patamar mais elevado no tratamento dessa doença que vai atingir mais de 50 mil mulheres e matar mais 13 mil neste ano. Não basta ser a sexta economia do mundo. É preciso acabar com a desigualdade abissal da possibilidade de tratamento. E, quem sabe num futuro próximo, ser um dos países com a menor taxa de mortalidade de câncer de mama do mundo.