A desvalorização dos profissionais de Saúde Pública
Por Maria Aparecida de Assis Patroclo, dooutora em saúde pública pela ENSP/Fiocruz, e parte da equipe de Criola, ONG de mulheres negras, via Blog Saúde Brasil.
A busca por referências bibliográficas sobre esse tema em bancos de periódicos, de dissertações e teses revela a inexistência de estudos com esse objeto, ainda que a questão da precarização das relações de trabalho receba algum tipo de atenção de estudantes, professores e pesquisadores.
Entretanto para quem atua ou pretende atuar na execução das ações e atividades nos sistemas públicos de saúde, essa é com certeza uma questão central nos dias de hoje no Brasil.
O que tem repercutido de forma avassaladora sobre os profissionais de saúde em vários estados e municípios brasileiros e se configura na percepção de desvalorização das profissões, são os baixíssimos salários, a diferença salarial entre as diferentes categorias, o assédio moral, a falta de estímulo para o exercício do potencial de criatividade dos indivíduos e o sofrimento no trabalho.
Para alguns não se trata de desvalorização das profissões de saúde e sim a desvalorização de profissionais legitimados para atender a população pelo poder de Estado, ou seja, aqueles concursados com vínculo estatutário.
Esses fatos tem causado estranheza entre aqueles que defendem a saúde como direito de todos e dever do Estado.
Acreditamos que mesmo entre os mais céticos existe a crença compartilhada de que a ciência tem a capacidade de responder a certas necessidades básicas, que se constitui em condição essencial para a eficácia profissional (Parsons, apud Dubar, 1977).
Cremos também que na nossa sociedade existe um consenso, cristalizado nos preceitos constitucionais de 1988, em relação a ideia de que “atividades ligadas a certas necessidades básicas ou a certas funções sociais devem escapar da lógica comercial e financeira do mundo dos negócios e serem confiadas a atores orientados para a coletividade”, a exemplo dos sistemas públicos de saúde (Dubar, 1977).
Com base nessa lógica causa mais uma vez estranheza que o Estado delegue a terceiros, com lógica comercial, que não compartilham da sua missão a gestão de pessoas que não foram legitimadas pelo seu poder.
A argumentação sobre a impossibilidade de punição de funcionários estatutários, tem sido desmentida nos últimos tempos pelas notícias de bloqueio de contas salário; suspensão com corte de salário e demissões em rito sumário de funcionários comprometidos e questionadores que comprovadamente não cometeram os delitos que lhes foram imputados.
Os concursos públicos e a gestão direta dos profissionais de saúde pelo Estado, é o certificado de garantia para a população de que capacitações e treinamentos irão ressocializar os profissionais nos valores e princípios organizacionais que orientam as regras de ação e de interação com os usuários e irão prevenir o declínio das instituições públicas.
O vínculo estável propicia que problemas e necessidades sejam percebidos como fatores de motivação para o exercício da criatividade e produção de inovação, enquanto os vínculos precários inibem essa percepção, produzem o medo e a omissão.
Baixíssimos salários, distancia acentuada entre os salários das diferentes categorias profissionais e falta de perspectiva de progressão horizontal e vertical, não só impedem a satisfação de necessidades básicas como alimentação saudável, moradia digna, instrução adequada dos filhos, lazer, auto educação continuada, como desestimulam o exercício da profissão e a competitividade proposta no mundo capitalista entre o público e o privado.
Além disso para Maslow a não satisfação das necessidades básicas citadas inibe a progressão para “necessidades superiores”, compreendidas como a autorrealização e a criatividade, por exemplo. Necessidades estas para as quais não se prevê um fim ou saciedade, pois quanto mais o individuo alcança, mais cresce o impulso de buscá-la e mais motivado ele fica (MASLOW, apud SAMPAIO, 2009).
O assédio moral, enfraquece a auto confiança, impede a independência de pensamento e ação, a iniciativa e a persistência em busca de melhoramento contínuo de ações e de atividades (ALENCAR, 1998).
Esses atributos aliados a condições de trabalho inadequadas (espaço físico deteriorado, falta de equipamento e insumos) e gestão baseada no medo são alguns dos determinantes do sofrimento no trabalho, que na falta de mecanismos de resiliência, provocam adoecimento psíquico e psíquico somático.
Absenteísmo, licenças para tratamento de saúde, suicídios, infartos, pedidos de demissão, desinteresse de profissionais, concursados como nível superior, por cargos de chefia são algumas evidências dessa realidade.
O dialogo entre teoria e prática faz-se necessário para dar visibilidade a esse fenômeno, transformando dados empíricos em informação científica capaz de influenciar a tomada de decisão em relação a cenários futuros onde se possa vislumbrar o fortalecimento das instituições públicas de saúde.