A falência Inca
Por Gonzalo Vecina Neto(*)/publicado na Folha de São paulo
A solução para financiar o Instituto Nacional de Câncer, apesar da óbvia legitimidade, é ilegal. Mas funciona, graças ao denodo de seus dirigentes
O Rio sofreu com a transferência da capital para Brasília. E boa parte desse sofrimento pode ser percebido no sucateamento de parte importante de sua rede hospitalar.
Ainda no final dos anos 70, essa rede era referência no país. Mas, infelizmente, isso mudou e com raras exceções muitos de seus hospitais públicos passaram por um criminoso processo de sucateamento. Um dos que conseguiram resistir foi o Inca (Instituto Nacional de Câncer). Mas hoje um impasse o ameaça.
A capacidade de resiliência do Inca é fruto de homens que se dedicaram à causa –e muitos são os que devem ser citados, à frente o professor Marcos Moraes– e das instituições que foram criadas precipuamente para resolver os graves problemas da administração pública brasileira. Neste caso está a Fundação Ary Frauzino (FAF), privada, cujo objetivo estatutário é exclusivamente apoiar o Inca. Recebe recursos públicos e privados e com estes compra materiais e contrata pessoas sem a burocracia patrimonialista do Estado brasileiro.
E o Inca, graças aos seus homens e à FAF, transformou-se na instituição mais importante a tratar da segunda causa de morte no Brasil, o câncer, além de ditar as normas nacionais para as políticas públicas na área. Mas a FAF está em risco.
O dilema que a ronda está exatamente em duas questões: 1. Por que precisamos de uma fundação privada? Porque o Estado brasileiro está desaparelhado para enfrentar os desafios da moderna gestão de uma instituição com a complexidade do Inca. Licitar e concursar em um tempo em que tudo tem a velocidade espantosa da tecnologia da informação é no mínimo um anacronismo. O Estado brasileiro necessita de uma reforma administrativa que permita que seja mais eficiente. A FAF foi a saída para conseguir entregar à sociedade tudo o que o Inca potencialmente pode entregar. E tem sido um sucesso!
2. A solução é ilegal? Apesar da óbvia legitimidade, é ilegal. E todas a ela assemelhadas também o são. Desde sempre. Mas esta em particular funciona desde os anos 90 (e existem mais antigas). E continua a funcionar graças ao denodo de seus dirigentes e ao fato de que, sim, elas entregaram o que de fato se propuseram –mais diagnósticos, tratamento, mitigação da dor e curas!
A FAF é absolutamente legítima e ilegal e, sobretudo, permitiu que o Inca chegasse na posição de liderança em que está hoje no tratamento do câncer no Brasil. Mas os órgãos do Judiciário e em particular o Tribunal de Contas, que tem alertado consecutivamente o Executivo para a existência da FAF, creem que é hora de um basta. Tem que ser legal. O legítimo e a entrega depois se vê. Como é o caso de boa parte da rede pública de hospitais do Rio. Para estes não se olha. São legais!
Não se pode perder o Inca. Não adianta destruir o que está funcionando para gerar soluções. É uma saída esdrúxula e que penaliza a própria sociedade, em vez de punir os políticos lenientes.
A ineficiência da gestão pública na saúde não é recente, as discussões são inconclusivas, mas com certeza a FAF é uma solução. E tem proporcionado que o Inca cumpra a sua missão. Brasileiros, vamos debater o assunto! Vamos salvar o Inca!
(*) Gonzalo Vecina Neto é superintendente corporativo do Hospital Sírio Libanês e professor assistente da Faculdade de Saúde Pública da USP