A fome voltou nas favelas brasileiras
Artigo publicado originalmente no portal da Revista Fórum. Clique no link para acessar.
Quando Lula assumiu em 2003 seu discurso de posse denunciava a fome, a extrema desigualdade em um país tão rico: “Num país que conta com tantas terras férteis e com tanta gente que quer trabalhar, não deveria haver razão alguma para se falar em fome. No entanto, milhões de brasileiros, no campo e na cidade, nas zonas rurais mais desamparadas e nas periferias urbanas, estão, neste momento, sem ter o que comer. Sobrevivem milagrosamente abaixo da linha da pobreza, quando não morrem de miséria, mendigando um pedaço de pão.”
O presidente sentenciou em seu pronunciamento que enquanto houvesse um brasileiro passando fome, isso era motivo de sobra “para nos cobrirmos de vergonha” e por isso Lula definiu como uma das prioridades de seu governo um programa de segurança alimentar que levou o nome de “Fome Zero“.
O restante da história vocês já sabem: valorização do salário mínimo, geração de postos de trabalho formal, políticas públicas como o bolsa família, investimento do Estado no desenvolvimento do país. O Brasil chegou à 6a economia do mundo e saiu do mapa da Fome. De 2003 a 2013 o Brasil reduziu em 82% a fome, a desnutrição e a subalimentação.
Golpe, Bolsonaro e Pandemia levou brasileiros pobres a passar fome de novo
Ao longo dos últimos 5 anos, 10,3 milhões pessoas voltaram a passar fome no Brasil segundo dados do IBGE. O desemprego, o achatamento da massa salarial, a desindustrialização ampliaram o número de famintos no Brasil. A pandemia e a falta de política para socorrer os mais vulneráveis agravou a situação.
É o que demonstram os dados levantados pela última pesquisa do Instituto Data-Favela- Locomotiva- Pesquisa e Estratégia e a Central Única das Favelas (Cufa).
A pesquisa foi realizada em 76 favelas em todas as unidades da federação, no período de 9 a 11 de fevereiro de 2021 com 2.087 pessoas maiores de 16 anos.
Entre os entrevistados 68% passou ao menos um dia sem nenhum recurso para comprar alimentos. A média de refeições diárias também caiu de 2, 4 em agosto de 2020 para 1,9 em fevereiro de 2021.
Os dados da pesquisa mostram que 93% dos moradores de favela não tem nenhuma poupança e 71% das famílias estão sobrevivendo com menos da metade da renda, que obtinham antes da pandemia.
De acordo com Renato Meirelles, Fundador do Data Favela, e presidente do Instituto Locomotiva que monitorou a situação das favelas ao longo de 2020 os dados atuais são ainda mais preocupantes do que os do início da pandemia e houve piora em todos eles: “O principal impacto é na geração de renda. Como tem um grupo grande de trabalhadores informais, e o auxílio emergencial demorou para chegar na favela, o impacto na renda foi gigantesco, e isso trouxe a fome. A fome é consequência da ausência de renda”, destaca Meirelles.
Alto risco de contágio, maior número de mortes e solidariedade
A demora do novo auxílio emergencial (cancelado em dezembro de 2020) quando o Brasil bate recorde de mortes passando a marca de 2 mil óbitos por dia, tem ampliado o contágio e as mortes entre os mais pobres.
O Brasil é o pais com maior mortalidade materna devido a covid-19 em todo o mundo e quando se trata de vírus e desigualdade o número de contágio nas favelas é o dobro dos bairros nobres.
Os trabalhadores das favelas são obrigados a se expor mais para conseguir um prato de comida e isso agrava ainda mais as condições sanitárias dos moradores das comunidades. De acordo com a pesquisa Data-Favela: 32% procuram seguir as medidas de prevenção contra a covid-19; 33% estão procurando seguir, mas nem sempre conseguem; 30% não conseguem seguir; 5% não estão tentando seguir. Os dados mostram a urgência da aprovação do auxílio emergencial para conter a fome e o contágio da covid-19.
Sem auxílio emergencial são as ações solidárias entre os próprios moradores da favela e de sindicatos e movimentos sociais que estão fazendo a diferença entre a fome e o prato de comida, entre a vida e a morte.
Dados do Data-Favela mostram que 90% dos moradores da favela receberam algum tipo de doação durante a pandemia e 80% das famílias não teriam condições de se alimentar, comprar produtos de higiene e limpeza ou pagar as contas básicas caso não tivessem recebido doações. Nesta quinta-feira o Fórum Sindical entrevista o presidente da CUFA, Preto Zezé, para falarmos sobre a última pesquisa do Data-Favela e das ações de solidariedade. A importância das doações na vida dos moradores de favela é fundamental.