A hegemonia do Centrão e a captura de fundos da saúde e educação

por Rudá Ricci, cientista político, Mestre em Representação Sindical no Brasil, Doutor em Ciências Sociais e Diretor-geral do Instituto Cultiva em Minas Gerais

Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, publica nota em que revela o desvio de recursos públicos do Fundeb para a iniciativa privada: quase 16 bilhões. Não se trata de uma “ajuda” ao Sistema S ou às escolas filantrópicas. Trata-se de disputa por recursos públicos pelos empresários.

O texto de Daniel Cara informa que “Em 2019, conforme análise de dados da Receita Federal produzida por João Marcelo Borges (FGV), concluiu-se que as entidades filantrópicas e confessionais receberam 6,37 bilhões de dinheiro público (…) e o Sistema S recebeu R$ 21 bilhões.

Fica nítido que está em curso um alinhamento dos setores empresariais para abocanhar fundos públicos da educação e saúde.

Na saúde, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) publicou as “Diretrizes para um modelo de atenção integral em saúde mental no Brasil”. O documento é um nítido ataque aos fundos públicos da área da saúde mental. O ataque procura voltar ao passado, focando no isolamento da pessoa com sofrimento mental em hospitais. Quem ganha com isso? As corporações da área psiquiátrica e proprietários de manicômios são os grupos de interesse.

Então, parece claro que há uma orquestração do empresariado na captura de recursos públicos da saúde e educação. Se não conseguem revogar o orçamento público vinculado às duas áreas, decidiram atacar pelos flancos.

Nesta manobra e focalização na saúde e educação, o empresariado conta com um aliado de peso: o Centrão. Este bloco de centro-direita movimenta-se politicamente na captura do Estado e comando da política nacional. Vou usar alguns termos caros à ciência política para explicar.

Gramsci fazia uma analogia entre as ações militares e ações políticas. O autor italiano articulava a guerra de movimento com a guerra de posição, ações de avanço pontuais com ocupação de espaços “entrincheirados“.

Gramsci dizia: “A verdade é que não se pode escolher a forma de guerra que se quer a menos que se tenha imediatamente uma superioridade esmagadora sobre o inimigo“. Este é o caso: quem avança não é Bolsonaro, mas o Centrão. E avança sobre o Estado e recursos públicos, com movimentos determinados na busca da ampliação de seu poder.

Então, temos iniciativas e avanços tópicos ao longo deste ano em que o Centrão negociou com o general Luiz Eduardo Ramos o ingresso no governo federal para “pacificar” a relação com o Congresso. A aliança foi bem além deste armistício.

Com a vitória do Centrão nas eleições municipais, este bloco se transformou no que Poulantzas – também empregando conceitos gramscianos – denominou de “bloco no poder“: uma unidade conjuntural de comando do mundo político por frações da elite.

Gostaria, então, de sugerir que a estabilidade do apoio popular (em 37%) ao governo federal deve-se ao Centrão e às suas orientações e movimentações recentes. Bolsonaro não é o centro da política nacional. O Centrão é tão hábil e hegemônico que já lança pontes para a centro-esquerda. A candidatura de Arthur Lira para a presidência da Câmara de Deputados é parte central desta consolidação da hegemonia do Centrão. Não se trata de trocar Maia por Lira, mas de forjar um acordão entre Centrão, Bolsonaro, militares e centro-esquerda.

PSB, PDT e PT são alvos nítidos deste avanço do Centrão no cenário político. Merece atenção.

Atenção nos movimentos do Centrão, mas, principalmente, nos movimentos de deputados de centro-esquerda. Aí está o futuro dos recursos públicos em saúde e educação.