A irreverente, descolada e necessária Marcha das Vadias
Fatima Oliveira *
A de Brasília acontecerá no dia 18 de junho.
A Marcha das Vadias (SlutWalk) é a reedição da lendária Queima dos Sutiãs (Bra-Burning), após quase 43 anos, com o mesmo fim: visibilizar e escrachar o patriarcado em sua forma cotidiana e cruel – o machismo, esteio da violência contra a mulher?
Sim! A diferença é que a Queima dos Sutiãs original, a primeira, é lenda feminista deliciosa e incendiária, pois ela foi simbólica, tal qual a viúva Porcina, “a que foi sem nunca ter sido”. De fato, não aconteceu! Depois de amontoar sutiãs, não permitiram queimá-los no recinto fechado do protesto, mas entrou para a história e virou a fagulha para várias queimas de sutiãs, num mundo de minissaia recém-inventada (1964) e pré-web (1993).
À época, a feminista e escritora Germaine Greer verbalizara: “O sutiã é uma invenção ridícula”. Queimar sutiãs se adequou ao discurso de protesto de “400 ativistas do Women’s Liberation Movement (WLM) contra o concurso Miss América no Atlantic City Convention Hall, após a Convenção Nacional dos Democratas” (7.7.1968). Deu no “New York Post”: “Queimadoras de sutiãs e Miss América”.
O feminismo tem tradição de fazer política ousada e criativa, demonstrando, de modo inteligível e de fácil assimilação, que a opressão feminina é um fenômeno pancultural, pois o patriarcado é um sistema cultural e político arcaico – que vê as mulheres como vadias -, sobrevivente e entranhado em todo tipo de Estado contemporâneo. Logo, a ideologia e a luta feministas, não esqueçam, ainda são “da hora”!
É brisa nova a Marcha das Vadias, que invade o mundo como uma onda… Iniciada em Toronto (Canadá), em abril de 2011, como resposta política a um discurso machista de uma autoridade policial, estribado num argumento que tenta nos impor, há séculos, que “quem se veste como vadias estimula crimes sexuais”! Universitárias canadenses foram às ruas, numa performance para antropologia da moda nenhuma botar defeito: roupas putíssimas, estilo matadeira! É a moda fetichista da Daspu, que é um deslumbre, fazendo escola! Estopim chique no último: “A roupa como manifestação simbólica de opiniões libertárias” (O TEMPO, 21.9.2010).
A Marcha das Vadias criou asas. Com adesão espontânea, desinstitucionalizada e a partir da web, mais de 70 cidades já marcharam. Bateu forte em mim. Em 2002, o campus onde ocorria o 9º Encontro Internacional Mulher e Saúde (Toronto) e nos hospedava estava cheio de cartazes aconselhando andarmos em bandos, pois, há uma semana, uma estudante havia sido estuprada e morta ali! Estupros e assassinatos em campus universitários, no mundo, ocorrem com frequência absurda. A tendência tem sido acobertá-los para preservar a moral e os bons costumes(?). Até quando esconder tais crimes será medida tida como pedagógica?
Aqui não é diferente. É ilustrativo o episódio troglodita e vitoriano de Geisy X Uniban (2009), em que a Uniban acolheu a gana de estuprar da turba que a acuou, por causa de um vestido curto, visto como “matador”, dando uma resposta sem senso de loção e criando conflitos de fragâncias: eliminou Geisy do corpo discente, endossando a fala do seu secretário geral: “A aluna veio trajada de uma determinada forma e isso provocou os alunos… Ela deu causa”.
A Marcha das Vadias tem tudo pra deslanchar por aqui. A de São Paulo foi no sábado, dia 4. E, no dia 18, será a de Belo Horizonte, com concentração na praça da Rodoviária. E o mote é “À Marcha das Vadias só não vai quem já morreu”…
* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.