A mulher com HIV e a lipodistrofia devido ao uso de antiretrovirais

Por Mario Warde (*)/ Agência de Notícias da Aids

Dia 8 de março, Dia Internacional Mulher. Por que? No Dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos, na cidade norte americana de Nova York, fizeram uma grande greve. Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores condições de trabalho, tais como redução na carga diária para dez horas (as fábricas exigiam 16), equiparação de salários com os homens (elas recebiam, na mesma função, até um terço do salário deles) e tratamento digno dentro do ambiente de traballho. A manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num ato totalmente desumano. Somente no ano de 1910, durante uma conferência na Dinamarca, ficou decidido que o 8 de março passaria a ser o Dia Internacional da Mulher, em homenagem às que morreram na fábrica em 1857. E só no ano de 1975, por meio de um decreto, a data foi oficializada pela Organização das Nações Unidas (ONU).

A explicação nos acorda para algumas situações sociais que foram, ou, pelo menos, estão sendo resolvidas ao longo dos anos no Brasil e no mundo. Hoje, mulheres exercem cargos altíssimos em empresas, igualaram jornada de trabalho, adquiriram direitos como licença maternidade e amamentação e, na imensa maioria das vezes, são respeitadas por aquilo que fazem. Sim, ainda falta! Mas a luta delas já valeu muito!

Assim é também no enfrentamento da aids. Ao longo destes 33 anos de história da epidemia, direitos foram conquistados para todos os cidadãos infectados pelo vírus graças a uma história de luta da qual o Brasil se destaca como exemplo. E na qual a mulher sempre teve papel relevante. Essa luta continua, porque há ainda muito o que conquistar.

Hoje, brigamos para defender no Sistema Único de Saúde (SUS) e também em instâncias particulares a necessidade do tratamento dos efeitos colaterais dos antirretrovirais. Entre esses efeitos, está a lipodistrofia, uma alteração da gordura que molda o contorno corporal.

Então, nessa data em homenagem às mulheres, falemos um pouco da soropositiva que sofre com a lipodistrofia. Por que esse tema tão pontual? Porque nesse caso eu consigo falar, por experiência, que as mulheres têm um grau de acometimento muito específico da lipodistrofia, que as levam a sentir as modificações corporais muito mais rápido do que a população masculina.

Homens e mulheres têm uma distribuição diferente de gordura pelo corpo. Isso é fisiológico. O coxim gorduroso (camada de gordura sob a pele) na mulher é maior do que no homem. Ele distribui-se prioritariamente nos quadris e nos membros inferiores, enquanto a população masculina tende a acumular gordura visceral (dentro do abdome) e no tronco. Em casos de obesidade, que seriam casos extremos destes acúmulos citados, podemos perceber estas diferenças: mulheres acumulam bem mais em quadris e coxas que os homens.

E se formos para o avesso disso? E se, no lugar de acúmulo, falarmos numa falta ou numa diminuição deste tecido gorduroso, que é o que acontece na lipodistrofia? Teríamos na população masculina uma escassez maior em quadris e coxas de um tecido que já não era fisiologicamente inerente a essas regiões. Mas na mulher isso provoca o que tenho chamado de androgenização. Ou seja, a perda do coxim feminino, deixando quadril e glúteos mais estreitos e coxas mais definidas em sua musculatura, o que, para todos os fins, significa a masculinizaçao da região.

Sequência provável: imagem e autoimagem alteradas, autoestima abalada, sintomas depressivos e, enfim, queda significativa da qualidade de vida. Tudo isso é muito sério e nós , médicos pesquisadores da área, em parceria com instituições como o Centro de Referência e Treinamento (CRT) de São Paulo, estamos conseguindo mostrar as necessidades de reparo desses efeitos e estudando como reconstruir o contorno corporal modificado pela lipodistrofia. É claro que o SUS, entendendo essa necessidade, torna esse trabalho sustentável e viável para uma parte da população. Mas e entidades particulares, como convênios médicos e seguros saúde? Não podemos nos esquecer de que uma parte significativa da nossa sociedade depende de convênios médicos e tem tanto direito a informações e tratamentos quanto aqueles pacientes tratados via SUS.

Importante, digno e de direito!

Então, que neste dia 8 de março, comemoremos os grandes avanços que a sociedade conquistou para um equilíbrio social de gênero. Mas que lembremos de tudo o que ainda está por ser conquistado! E temos muito a conquistar. Nunca é tarde demais!

 

(*) Cirurgião Plástico do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Mestre em Ciências pela Disciplina de Cirurgia Plástica da UNIFESP e Doutorando pela FMUSP.