A necessária transparência nos dados de despesa em saúde dos municípios Brasileiros
Rafael Barros, integrante do núcleo Bahia do Cebes, escreve sobre a transparência dos dados sobre saúde municipal encontrados no SIOPS, sistema do Ministério da Saúde. Ele aponta que a falta de detalhamento de informações relativas a receitas e despesas com saúde no sistema oficial definido por Lei precisa entrar na agenda principalmente dos conselheiros de saúde. Além de enfermeiro, Rafael é professor da Escola de Enfermagem da UFBA, pesquisador do Instituto de Saúde Coletiva/UFBA e Militante da Reforma Sanitária Brasileira.
O cenário hoje dos dados de despesa em saúde dos municípios no Brasil é de grande heterogeneidade . O destaque positivo para os municípios dos estados de São Paulo, Amazonas, Piauí, Santa Catarina e Roraima, em que a maioria dos municípios realizam tal detalhamento no SIOPS. O Ministério da Saúde descreve o SIOPS como o sistema informatizado, de alimentação obrigatória e acesso público, instituído para coleta, recuperação, processamento, armazenamento, organização, e disponibilização de informações referentes às receitas totais e às despesas com saúde dos orçamentos públicos em saúde.
Ainda segundo o MS, “o sistema possibilita o acompanhamento e monitoramento da aplicação de recursos em saúde, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios[…]. É no SIOPS que gestores da União, estados e municípios declaram todos os anos os dados sobre gastos públicos em saúde, proporcionando acesso público e irrestrito a essas informações”.
Contudo, o que se vê na prática, utilizando dados do próprio SIOPS de 2021, não é o que está descrito acima, com potencial descumprimento do que está definido pela Lei Complementar nº141/2012.
Tentando não ficar preso no “economês”, mas explicando um pouco, os gestores (secretários municipais, estaduais e ministro da saúde) a cada bimestre precisam detalhar a despesa em saúde a partir de códigos contábeis, que vão descrever o tipo de gasto feito. Exemplo: o código “3.3.90.30.00.00” detalha que a despesa foi feita com “Material de Consumo”.
Assim, em 2021 foram declarados por gestores municipais de saúde um total de 7,58 bilhões de reais investidos com material de consumo. Até aí, tudo bem. Contudo, ao executar a despesa o gestor, deveria especificar o tipo de material de consumo, indicando no código, por exemplo: “3.3.90.30.01.00 – Gasto com combustíveis” ou “3.3.90.30.09.00 – Material Farmacológico“.
Entretanto, existe uma portaria (n° 163/2001) do Ministério da Fazenda e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que obriga o detalhamento até o “código contábil de elemento de despesa”, sendo facultado aos gestores detalhar ou não os tipos de elementos de despesa. Ou seja, dos 7,58 declarados com o elemento “Material de Consumo”, 3,19 bilhões (42%) foram detalhados como “3.3.90.30.99.00 – Outros materiais de consumo”. Assim, foram 1564 (25,8%) municípios brasileiros que não fizeram nenhum detalhamento da sua despesa com material de consumo em 2021, declarando toda ela como “Outros materiais de consumo”.
Para evidenciar como os dados de despesa ainda carecem de detalhamento, ainda usando dados de 2021, apenas 49% dos municípios brasileiros especificaram quanto investiram com Material Farmacológico e 48% com material de limpeza.
Analisando estes dados por estados, percebe-se que a proporção de municípios de cada estado que não detalham a despesa segundo os tipos de material de consumo, percebe-se que temos uma grande heterogeneidade, com destaque positivo para os municípios dos estados de São Paulo, Amazonas, Piauí, Santa Catarina e Roraima, em que a maioria dos municípios realizam tal detalhamento no SIOPS.
Um cenário parecido ocorre com outro tipo de despesa chamada de “3.3.90.30.00.00 – Outros Serviços de Terceiros – Pessoa Jurídica”. Aqui deveriam estar detalhados as despesas feitas pelos municípios com água, luz, manutenção de equipamentos, consultorias, terceirização de serviços de saúde e outros. Porém, diante da facultatividade dada pela legislação, apenas 51,4% dos municípios detalharam suas despesas com energia elétrica, 37,5% com água e esgoto e 49,1% com serviços de manutenção de máquinas e equipamentos no SIOPS.
Em síntese, não é possível hoje para os órgãos de fiscalização direta e indireta saber pelo SIOPS quanto foi especificamente a despesa com diversos itens seja de material de consumo ou mesmo contratos necessários para o funcionamento das unidades de saúde, já que boa parte dessas despesas simplesmente não são detalhadas. Só seria possível acessar essa informação, indo ao município, solicitando relatório específicos às assessorias contábeis de cada gestor.
Assim, o correto detalhamento da despesa em saúde no sistema oficial definido por Lei precisa entrar na agenda, principalmente dos conselheiros de saúde, que recebem a cada quadrimestre um relatório com diversos dados provavelmente também não detalhados. Este processo, deveria ser revisto pelos órgãos competentes para uma nova portaria fosse estabelecida, obrigando o detalhamento completo das despesas dos entes federados no setor saúde.
Diante de um ano de conferências de saúde, abre-se uma janela de oportunidade para que este tema entre também na agenda das propostas dos diversos movimentos sociais organizados em todo o país. Este detalhamento pode, principalmente, inibir processos “não republicanos” para não chamar de corrupção, além de apresentar indicadores necessários para a avaliação e monitoramento de um sistema de saúde, já que, possivelmente, o quanto se investe em determinadas áreas, impacta na estrutura oferecida aos profissionais de saúde e portanto nos processos desenvolvidos na unidades de saúde.
Conhecer, de forma rápida e transparente esta realidade, pode ajudar a diversos atores e atrizes a tomar decisões baseadas em evidências que potencialmente vão tornar o nosso sistema de saúde mais eficiente e eficaz.
Salvador, 24 de março de 2023.
Prof. Rafael Barros