A percepção de um estudante de medicina na 16ª CNS
por Matheus Ribeiro Bizuti, acadêmico do 3ª ano do Curso de Medicina. Universidade Federal da Fronteira Sul – campus Chapecó, e Maria Eneida de Almeida, professora de Saúde Coletiva do Curso de Medicina. Coordenadora do Núcleo CEBES – Chapecó. Universidade Federal da Fronteira Sul – campus Chapecó.
O pensamento democrático teve origem na Grécia Antiga a partir da consolidação das reflexões de Sócrates, o qual entendia que o ambiente público é determinado por interesses coletivos. Ao longo do tempo, a democracia vem se organizando em ciclos sob constante ameaça. Todavia, mediante a força e a persistência de sociedades esclarecidas, é o movimento que organiza os direitos dos povos, apesar de o mundo estar em um momento em que os direitos arduamente conquistados estão sendo lesados.
Foi no ano de 1891, com a promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, que o Estado passou a se responsabilizar pelas ações de saúde, saneamento e educação mediante promoção de políticas sociais. Posteriormente, na Era Vargas, houve a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP). A partir de então, abriu-se a porta para a realização das Conferências Nacionais de Saúde (CNS), cujo objetivo central, na atualidade, consiste na promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como na reiteração do caráter democrático da participação popular em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS). A 16ª CNS, intitulada 8ª+8, teve como um de seus princípios norteadores, a reafirmação do SUS popular, democrático, legítimo e universal, responsável por oferecer condições dignas de saúde a toda sociedade brasileira.
Durante a 16ª CNS, como primeira experiência em grande evento, foi palpável, a todo momento, que a participação popular é a base para a reafirmação dos diretos adquiridos em anos de luta e resistência frente a uma política crescentemente neoliberal, com características nefastas, que visa tão somente, o beneficiamento individual em detrimento do coletivo e do social. Todos os dias de atividades foram de reiteração de que o SUS é de toda a nação brasileira, haja vista que somos pessoas providas de muita iniciativa e coragem, possuímos determinação frente aos interesses comuns, não atribuindo ao destino, neste caso, aos apoiadores do neoliberalismo que resulta na deturpação do SUS público e universal, o poder de decidir sobre aquilo que nos atinge rotineiramente, a democracia.
A consolidação de uma sociedade a qual está sendo gerida neste momento político nacional, por apedeutas intelectuais, fez com que o espaço dedicado a discussões por avanços e melhorias do SUS, se tornasse um verdadeiro “curral eleitoral”, uma vez que muitos dos delegados nacionais presentes na 16ª CNS mal sabiam o que estavam fazendo naquele local, tornando um ambiente essencialmente democrático, em um local privado de reflexões.
O surpreendente foi observar o quanto um sistema desprovido de esclarecimento faz com que muitas pessoas se nivelem ao mesmo nível de incivilidade. Isso foi nitidamente perceptível na abertura da 16ª CNS, em que pessoas que ali estavam em prol de uma nação mais justa e igualitária, mediante reiteração do Estado democrático de direito, não permitiram a fala do atual Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Vejo esse ato não como uma conquista, mas sim, como uma redução da nossa capacidade de sermos superiores aos que querem nos ver fora das decisões sociais. Mesmo não concordando com as ideias e opiniões da atual gestão do Ministério da Saúde, defendo o direito de as pessoas manifestarem suas posições, dado que, como sociedade essencialmente democrática, devemos proporcionar espaço para a difusão de ideias. Assim como na expressão atribuída a Voltaire, “Não concordo com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-la”, temos de ser soberanos em relação aos que querem efetivar o desmonte do SUS, mesmo que para isso, tenhamos que nos atentar para aquilo que não devemos, jamais, reproduzir.
Do ponto de vista de um acadêmico no terceiro ano do curso de medicina, o ato realizado em defesa do SUS e da democracia foi excepcional. Muito bem organizado, um momento que jamais será esquecido, visto que o povo unido em harmonia com um ideal comum no qual acreditamos, é capaz de transmitir uma energia contagiante. A batida do coração entra em sintonia com a energia e a determinação por justiça, democracia, igualdade e tantos outros princípios humanos e universais. A união permite sermos capazes de transformar a nossa realidade com a de todos que sofrem com as desigualdades existentes, pois pensando globalmente e agindo localmente, é que seremos capazes de mudar toda uma sociedade fragilizada.
Segundo o filósofo inglês John Locke, a defesa da liberdade é condição sine qua non para o desenvolvimento do pensamento crítico dos indivíduos. Ressalta ainda, que as pessoas são como uma folha de papel em branco, providas apenas de qualidades primárias, objetivas, sendo as demais, adquiridas pela convivência social, pela experiência. Assim, ressalto que, a experiência de um Estado desprovido da participação popular, faz com que os seus integrantes sejam condescendentes com a situação.
Aplicando essas ideias à 16ª CNS, muito se fez por uma saúde por resultados, em que pessoas queriam aprovar o mais rápido possível as propostas ali presentes, ao menos na sessão à qual participei, havendo pouca possibilidade de se fazer uso da razão em prol de um SUS digno de sua originalidade. Foi perceptível que toda a organização do evento estava, indiretamente, organizada para que as reflexões fossem restritas, havendo pouco tempo para as discussões em si. Este foi um ponto frustrante para mim e outros que foram em busca de crescimento intelectual e social. Também foi perceptível que muitas ações foram “estrategicamente” desenvolvidas com o intuito de fragmentar as pessoas que, de fato, lutam pela democracia e por seus direitos enquanto cidadãos. Muitas delegações chegaram para o evento apenas na metade do segundo dia; o transporte ofertado foi, em certa medida, precário e a localização do evento divulgada encima da hora, sendo um tanto quanto insatisfatória, em comparação com as conferências anteriores.
Apesar de os ventos estarem contra a democracia, contra a soberania popular, contra o SUS, contra os direitos dos cidadãos, jamais devemos deixar a força do opressor intimidar-nos, fazer com que desistamos de ver, um dia, o altruísmo, a solidariedade, a consciência permeando nossa sociedade, a qual está, atualmente, sendo gerida pelo ódio, pelo egocentrismo e acima de tudo, pelo apedeutismo. Não podemos deixar que nossas ações sejam orientadas pelo desejo dos que ferem a democracia. Segundo o filósofo e sociólogo francês Jean Baudrillard em sua frase “eu penso que eu penso o que penso, mas eu não penso o que eu penso, eu penso o que me foi dado que eu pensasse a pensar”, temos que ser capazes de diferenciar o que é ilusão, a qual nos é vendida, e o que é realidade, a qual nos é solapada.