A restrição ao fumo e a experiência de Nova York
Luiz Antonio Guimarães Marrey*
O Estado de São Paulo tomou uma iniciativa necessária e corajosa em defesa da saúde pública ao transformar na lei estadual nº 13.541/09 o projeto do governador José Serra que proíbe o fumo em ambientes coletivos, total ou parcialmente fechados.
Pesquisas de opinião pública mostram o apoio de 88% da população no Estado. As críticas vêm de uma pequena minoria, especialmente ligada ao setor de bares e restaurantes, que repete argumentos parecidos com os usados pela indústria do tabaco em outros países.
Nessas circunstâncias, é útil conhecer a experiência da cidade de Nova York, que restringiu o consumo de fumígenos de maneira muito semelhante à de São Paulo. Desde que entraram em vigor o “New York City Smoke-Free Air Act”, lei de 2003, e o “Clean Indoor Act”, promulgado no Estado de Nova York no mesmo ano, e de teor análogo à primeira, alguns mitos e tabus têm sido derrubados.
Um ano depois da vigência da lei, dados da Prefeitura de Nova York apontavam que:
1) em vez do que se anunciava como inevitável -queda do movimento em bares e restaurantes-, o faturamento desses lugares aumentou 8,7%;
2) os empregos do setor cresceram 10 mil vagas, em sentido contrário ao desemprego que tanto amedrontava;
3) 97% dos restaurantes e bares estavam livres do fumo;
4) os moradores apresentavam maciço apoio à lei;
5) a qualidade do ar de bares e restaurantes aumentou notavelmente;
6) os níveis de cotinina, um derivado da nicotina, diminuíram em 85%, segundo testes médicos de trabalhadores do setor;
7) 55 mil cidadãos a menos estavam expostos ao fumo passivo no ambiente de trabalho.
É fato que o fumo passivo faz muito mal às pessoas. No entanto, a indústria do tabaco e seus aliados continuam a repetir mentiras em escala internacional, difundindo o mesmo receituário do lucro baseado no dano à vida e à saúde, tais como “o fumo passivo não é tão perigoso” ou “as políticas de restrição ao cigarro violam o direito e a liberdade individuais”. Dizem ainda que um sistema de ventilação e de salas separadas constituem proteção suficiente contra o fumo passivo ou que restrições ao fumo não são adequadas para o nosso país.
Seria curioso, se não fosse trágico, verificar que esse receituário vem sendo repetido aqui de maneira quase literal, mostrando articulação uma mundial. Procuram organizar grupos de oposição com fumantes e donos de restaurantes, fabricam relatórios de impacto financeiro, estimulam o descumprimento da lei e tentam invalidar a legislação na Justiça. Tudo isso feito de maneira insensível às conclusões científicas no sentido das consequências letais do fumo para seus usuários e para terceiros.
Estudo feito em Nova York sobre a qualidade do ar mostra um índice de poluição 50 vezes maior num bar enfumaçado do que no túnel Holland (que liga a ilha de Manhattan à cidade de Newark, em Nova Jersey), na hora de pico do tráfego.
Nova York teve sucesso mostrando determinação e vontade política de seus líderes e servidores, aliadas à força da articulação da sociedade, dos sindicatos e das ONGs. Durante um ano inteiro, foi travada uma batalha ideológica feroz da indústria do tabaco, seus consumidores e parceiros contra a sociedade.
Segundo me disse pessoalmente o dr. Thomas Frieden, comissário de Saúde daquela cidade (equivale, aqui, a um secretário municipal), um importante veículo de comunicação procurou desmoralizar o cumprimento da lei todos os dias, sem sucesso. Por outro lado, a ampla maioria de cidadãos se uniu em defesa de sua saúde e formou uma aliança indestrutível entre governo e sociedade.
São Paulo e Nova York são Estados cosmopolitas e pioneiros nas suas iniciativas, na consciência e na coragem de seus habitantes. Hoje, em Nova York, o respeito à lei antifumo é altíssimo, conforme se pode verificar nos contatos com autoridades e cidadãos ou mesmo observar caminhando pelas lojas, hotéis, bares, restaurantes e escritórios, como fiz. Ali, o poder público está cumprindo seu papel de proteger o direito à saúde de todos.
Se Nova York venceu o fumo, São Paulo também será capaz de enfrentar e vencer esse desafio, com determinação, firmeza e a adesão da maioria da população, de forma a gerar um importante precedente para todo o Brasil.
*53 anos, é secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo. Foi procurador-geral de Justiça do Estado por três mandatos (1996-1998, 1998-2000 e 2002-2004) e secretário dos Negócios Jurídicos da cidade de São Paulo (2005-2006).
Fonte: Folha de S. Paulo, 18/5/09