A segunda semana da audiência pública sobre o SUS
A segunda semana da Audiência Pública sobre o SUS, convocada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, iniciou com debate sobre fornecimento de medicamentos pelo SUS, um dos temas que impulsionou a realização da audiência. Na análise do ministro, os conhecimentos técnicos e as experiências práticas expostas nesta segunda-feira (4/5) deverão contribuir para o esclarecimento das razões que levam, em alguns casos, ao descompasso entre os protocolos e diretrizes terapêuticas do SUS e o tratamento prescrito para algumas doenças.
Coube ao diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Dirceu Raposo de Mello, explicar os critérios para que um medicamento seja registrado pela entidade e todo o processo necessário para tanto. Ele disse que o tema é regulamentado pela Lei 6.360/76 e que nenhum dos produtos de que trata a lei, inclusive importados, poderá ser industrializado, posto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde. Assim, os técnicos da agência se debruçam para constatar a segurança, eficácia e qualidade farmacotécnica do produto.
No caso de medicamentos inovadores, a entrada de produtos novos no mercado é massiva e tem uma velocidade de inovação muito rápida, “portanto é fundamental que se faça um olhar sobre a sua incorporação observando o uso racional desses produtos”, ressaltou. Os pré-requisitos da Anvisa para a aprovação de um medicamento passa por uma avaliação da eficácia e observação do desfecho clínico para conceder ou não o registro. A agência observa a segurança e bem estar do sujeito da pesquisa e atualmente tem trabalhado na criação e ampliação de um ambiente propício para desenvolvimento com segurança de estudos clínicos no Brasil.
Na análise de Dirceu, as indústrias farmacêuticas sabem muito mais do que o usuário de medicamentos, então, a informação dos profissionais de saúde e a busca por essa informação é muito importante para a decisão da prescrição dos produtos.
Para o fundador do grupo Hipupiara Integração e Vida — instituição que atende mais de 200 pessoas com HIV —, Luiz Alberto Simões Volpe, é preciso que os ministros do STF tenham equilíbrio ao julgarem a questão da integralidade do fornecimento de remédios. Portador do vírus HIV, ele disse já ter recorrido diversas vezes ao Judiciário para garantir os medicamentos e disse que, graças à integralidade do tratamento que recebeu, é que está vivo. “Os medicamentos experimentais devem continuar sendo custeados pelos laboratórios responsáveis pelos estudos e que os medicamentos não licitados e que não fazem parte da lista do SUS, mas certificados internacionalmente, devem ser disponibilizados administrativamente sem necessidade de intervenção judicial”, defendeu.
Experiência local
O representante da Secretaria de Saúde do estado de São Paulo, Paulo Marcelo Gehm Hoff, também integrante do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e da Faculdade de Medicina da USP, apresentou experiência local para incorporar medicações ainda não padronizadas pelo SUS. Segundo ele, a secretaria realiza um programa que discute com especialistas da área o uso da drogas e requer um determinado nível de evidência para adoção do medicamento. “É obrigação atender às necessidades de saúde da população, mas estado não é farmácia e o tratamento deve ser um atendimento integral”, disse Gehm Hoff ao defender um controle bem determinado para o uso de medicações. “Isso permite que os recursos sejam direcionados para tratamentos realmente importantes”, concluiu.
Em sua análise, concentrar a incorporação de medicações não padronizados em centros de excelência permitirá acompanhar os pacientes periodicamente para avaliar eficácia dos tratamentos. “Avanços tecnológicos têm de ser incorporados de maneira ágil (ao sistema de saúde pública), porém criteriosa”, afirmou.
Gehm Hoff comparou os números do programa realizado em São Paulo com os gastos gerados por determinações judiciais no estado. Segundo ele, em 2008, o programa gastou R$ 1,125 bilhão para atender 450 mil pessoas, enquanto o dispêndio com determinações judiciais foi de R$ 350 milhões para atender 33 mil pessoas. Isso significa que o custo médio no programa por paciente gira em torno de R$ 2.500,00 por ano, enquanto o gasto gerado por decisões judiciais é de R$ 10.600,00 por paciente/ano.
Uso racional de medicamentos
Representante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Paulo Dornelles Picon propôs a construção de uma nova forma de avaliação criteriosa de medicamentos e tratamentos, com a criação de centros de medicinas regionais que aplicariam a chamada “medicina baseada em evidência”.
Esses centros, a exemplo do que já vem sendo implantado no Rio Grande do Sul, funcionariam com a presença de um fórum deliberativo composto pelas várias instâncias representativas da sociedade civil organizada, dos usuários, do governo, das áreas da Justiça, entre outros. “É uma proposta inovadora, que talvez possa dirimir questões que estão na Justiça, a incorporação de tratamentos médicos e a qualificação e a assistência (aos usuários do SUS)”, afirmou.
Picon também falou da importância da medicina baseada em protocolos clínicos e da necessidade de que magistrados tenham conhecimento desses protocolos. Ele citou trabalho realizado entre a comunidade científica e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do sul exatamente no sentido de levar essas informações aos juízes do estado.