A Sindemia Global da Obesidade, Desnutrição e Mudanças Climáticas, relatório da comissão The Lancet

Disponibilizamos no final do post o documento A Sindemia Global da Obesidade, Desnutrição e Mudanças Climáticas, relatório da comissão The Lancet publicado em janeiro de 2019

Juntos contra a Sindemia Global

Teresa Liporace, Coordenadora executiva do Idec

Estamos enfrentando um dos principais desafios denossa era. Mudanças climáticas estão na iminência de entrar em um caminho sem volta, e as pandemias de obesidade e de desnutrição ameaçam a segurança alimentar da maior parte da população mundial. Combinadas, as complexas interações dessas crises geram uma Sindemia Global, o que nos impõe a necessidade urgente de reformulação de nossos sistemas de alimentação, agropecuária, transporte, desenho urbano e uso do solo.

Tamanha mudança não é possível sem uma ação articulada de atores que lutam por um mundo mais saudável, sustentável e justo. Há diversas vulnerabilidades, as quais só serão superadas com uma estratégia unificada de mitigação e adaptação.

No Brasil, a expansão da agropecuária envolve, em certos casos, práticas ilegais como o desmatamento e grilagem de terras, além do uso extensivo de agrotóxicos. Apesar do País ser o 5º maior produtor de alimentos do mundo, milhões de brasileiros passam fome e a obesidade atingiu 19,8% em 2018. A principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no País é a agropecuária, responsável por mais de 70% das emissões em 2017. O Brasil e o Uruguai, por exemplo, já possuem mais gado bovino do que pessoas.

A forma de atuação e de organização do agronegócio e das grandes indústrias alimentícias os tornam atores significativos do problema da Sindemia Global. Superar esse paradigma representa reequilibrar as forças que estimulam dietas mais saudáveis e desestimulam o consumo de alimentos ultraprocessados, priorizam o uso da terra para uma agricultura justa, limpa e sustentável, e reduzem substancialmente as emissões de gases de efeito estufa.

Essa ação coordenada precisa apoiar os movimentos sociais nos níveis local, nacional e global, de forma a promover o pensamento sistêmico, compartilhar soluções inovadoras e promover esforços sinérgicos. São esses atores os grandes responsáveis por demandar a criação de políticas de enfrentamento da Sindemia Global, e monitorar sua implementação, enquanto os governos precisam se encarregar de trabalhar em conjunto para reduzir a pobreza e as iniquidades, e garantir direitos humanos.

Além disso, é fundamental reduzir a influência dos grandes interesses comerciais nos processos de desenvolvimento de políticas e tomada de decisão para permitir que os Estados implementem políticas de interesse à saúde pública, à equidade e à sustentabilidade do planeta.

Não temos a ilusão de que isso será fácil, mas temos a convicção de que essa transformação é indispensável para a manutenção da vida, dos direitos sociais e da saúde do planeta. Há mais de três décadas o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) luta em defesa do consumidor, conscientizando e demandando ética nas relações de consumo, de forma independente de empresas, partidos ou governo. Uma de nossas principais áreas de atuação é justamente a promoção de escolhas alimentares mais conscientes, saudáveis e sustentáveis, por isso podemos dizer com segurança que estamos prontos para mais esse desafio.

É hora de agir!

Patricia Jaime, Pesquisadora do nupens/USP

O documento A Sindemia Global da Obesidade, Desnutrição e Mudanças Climáticas: relatório da comissão Lancet apresenta, com um olhar inovador e ancorado em robusta análise científica feita por um grupo renomado de especialistas, a coexistência de três importantes problemas de saúde pública no mundo: obesidade, desnutrição e mudanças climáticas.

O conceito “Sindemia Global” aponta que as três pandemias – obesidade, desnutrição e mudanças climáticas – interagem umas com as outras, compartilham determinantes e, portanto, exercem uma influência mútua em sua carga para a sociedade. Suas causas passam pelos interesses comerciais que orientam o modelo hegemônico do sistema agroalimentar global, pela falta de vontade das lideranças políticas e pela frágil e insuficiente ação da sociedade em geral. Por conta disso, as soluções devem ser consideradas conjuntamente, e com urgência.

Esta publicação surge como um convite para que diferentes atores – do nível global ao local, da academia aos governos e movimentos sociais – pensem caminhos e respostas que quebrem a inércia política e resultem em compromissos com um sistema alimentar mais resiliente, sustentável, promotor da saúde e de justiça social.

O núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em nutrição e Saúde (nupens) da Universidade de São Paulo (USP) recebe com entusiasmo esse chamamento, que reforça e revigora nossas reflexões acerca dos nexos entre alimentos ultraprocessados, nutrição, sistema alimentar e sustentabilidade. Compreendemos que, nas últimas décadas, o ultraprocessamento de alimentos passou a moldar o sistema alimentar e a influenciar os padrões alimentares populacionais, impactando negativamente a qualidade da alimentação, a saúde, a cultura e o ambiente.

Ter este importante relatório traduzido para a língua portuguesa oportuniza que o debate sobre a “Sindemia Global” ganhe força e impulsione a agenda nacional.