“A sociedade está se apropriando do poder. Temos que revitalizar a democracia”
Sonia Fleury | Entrevista à Revista Adusp
Pesquisadora e militante, a professora Sônia Fleury afirma ter uma visão “muito positiva” das mobilizações iniciadas em junho deste ano, desencadeadas pelo aumento das tarifas do transporte público. Para ela, as manifestações, inicialmente lideradas pelo Movimento Passe Livre (MPL), fizeram com que uma série de pautas políticas que não transcendiam a esquerda finalmente atingissem um público mais amplo. “Eu, por exemplo, militei a vida inteira na defesa do SUS [Sistema Único de Saúde] e essa agenda estava completamente abandonada pela sociedade, cada um procurando seu plano de saúde — e agora ela voltou com vigor!”
Para Sônia, a raiz das mobilizações está no modelo de democracia participativa vigente no Brasil, “mobilizador e centralizador ao mesmo tempo”. Isto é, ainda que haja numerosos espaços de participação e controle social, as decisões ocorrem em outros âmbitos, envolvendo apenas governantes e empresários, e se voltam, sobretudo, à privatização da coisa pública. Ainda segundo ela, alguns problemas trazidos à tona pelas manifestações, como a violência institucional, já eram evidentes para pesquisadores que vêm acompanhando os processos de “pacificação” de favelas. “Agora as pessoas estão se dando conta, com a questão do Amarildo [de Souza, trabalhador carioca presumivelmente assassinado por policiais militares], mas a violência policial é cotidiana e a questão social foi transformada em uma questão policial.”
Sônia é professora titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (Ebape/FGV), onde coordena o Programa de Estudos sobre a Esfera Pública. Teoria da democracia, democracia deliberativa, teoria da cidadania e construção de sujeitos políticos, gestão descentralizada e reforma do Estado, redes de políticas e inovação social são alguns de seus interesses de pesquisa.
Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sônia desenvolveu mestrado em Sociologia e doutorado em Ciência Política, ambos no Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj). Em 1995, aposentou-se como professora titular da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde fundou o Núcleo de Estudos Político-Sociais em Saúde (Nupes). Atuando em instituições como o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Sônia teve participação destacada na luta pela democratização, sobretudo na formulação do projeto da Reforma Sanitária Brasileira, que resultou na criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Contribuiu para a elaboração do capítulo sobre a Seguridade Social da Constituição Federal de 1988, como consultora da Assembleia Nacional Constituinte. Já no governo Lula, foi nomeada para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e também foi membro da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS).
“Há uma consciência muito grande das pessoas, de que são cidadãos, de que têm direitos, e isso é fruto da democracia”, acredita Sônia, para quem as manifestações foram positivas e acumularam em direção a avanços democráticos.
A entrevista foi concedida a Daniela Alarcon.
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