Agonia da Saúde

Por Edmundo Machado Ferraz*

Vivemos um momento de grande expectativa e cobrança da sociedade sobre a atividade médica em nosso país, que ainda não superou alguns problemas estruturais básicos. Fomos capazes de criar, gerir e manter um país continental de uma riqueza e potenciais invejáveis, mas não fomos ainda capazes de integrá-lo em uma cidadania plena para todos os seus cidadãos.

No entanto, criamos um sistema público único de saúde de concepção modelar e não fomos capazes de dotá-lo e atualizá-lo, ao longo do tempo, de um plano de financiamento que garantisse a sua prestação de serviços a 145 milhões de brasileiros usuários.

Desenvolvemos centros de excelência médica comparáveis aos melhores do mundo em algumas metrópoles brasileiras, mas não fomos capazes de assegurar um atendimento mínimo de dignidade e de respeito à cidadania da grande maioria dos pacientes usuários de mais de 6.000 hospitais brasileiros.

Formamos mais de 10.000 médicos por ano e somos incapazes de distribuí-los pela maioria de nosso território continental, por não termos desenvolvido uma política salarial pública adequada.

Algumas escolas médicas são exemplares, mas não fomos capazes de conter a proliferação desenfreada de escolas médicas – o maior número do mundo – que lançam no mercado grande contingente de médicos despreparados técnica e, sobretudo, eticamente para o desempenho dessa atividade abençoada que é ser médico, criando sérios problemas para as nossas entidades médicas, entre as quais nos incluímos com a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM).

Fomos capazes de criar praticamente todas as sociedades cirúrgicas, de todas as especialidades, mas não fomos capazes de unir nossa imensa força política de persuasão que poderia mudar a face do atendimento público de saúde no Brasil, porque ainda privilegiamos a querela, a disputa de pequenas vantagens, irrisórias e insignificantes, em detrimento de uma identificação de objetivos comuns que resultaria em atendimento melhor de nossa população.

Ultrapassamos um PIB de cerca de 1 trilhão de dólares, mas não fomos capazes de atingir uma aplicação mínima de recursos por habitante (menos de 300 dólares por habitante, quando a Organização Mundial de Saúde considera adequado cerca de 500 dólares por habitante).

Os hospitais públicos estão superlotados e, entretanto, em regime falimentar e de grande sucateamento, sendo fácil imaginar que essa deterioração irá exigir um grande esforço e aporte de recursos para ser recuperada. Um grande exemplo desta afirmativa é o que vem presentemente ocorrendo no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, hospital voltado para o atendimento de alta complexidade no Rio de Janeiro e que perdeu a sua capacidade financeira com repercussão imediata no atendimento dos pacientes e nos programas de treinamento de cirurgia avançada.

Contudo, a constatação dessa realidade não constitui uma afirmativa pessimista. A mudança depende de cada um de nós

(*) Edmundo Machado Ferraz é presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Artigo publicado no jornal O Globo, na edição do dia 06/10/08.