Álcool e Saúde Pública
Por José Gomes Temporão
A revista Lancet acaba de publicar o relatório mundial sobre Carga Global de Doenças 2010. Nele, ao lado de vários dados e estatísticas relativos ao Brasil, chama a atenção o destaque dado ao problema do alcoolismo em nosso país. No relatório, o alcoolismo é destacado como o principal fator de risco de saúde no Brasil.
Ainda este ano a OMS já havia divulgado um relatório afirmando que o consumo abusivo de álcool mata mais do que a tuberculose, a violência e a AIDS em todo o mundo. Segundo a OMS “as políticas de controle do álcool são fracas e ainda não são prioridade para a maioria dos governos, apesar do impacto que o hábito causa na sociedade: acidentes de carro, violência, doenças, abandono de crianças e ausência no trabalho”.
Enquanto cresce a legítima preocupação com o uso das drogas ilícitas como o crack, não podemos ignorar que o consumo abusivo de álcool é problema muito mais grave sob qualquer ponto de vista. Por ser uma droga legal e culturalmente aceita, o acesso ao consumo é fácil e barato. A própria sociedade constrói estereótipos sobre o tema: o bêbado engraçado das piadas e programas humorísticos, o pai orgulhoso do filho que é macho porque já começou a beber bem cedo…
Mas uma outra notícia recente vem trazer um pouco mais de luz sobre o tema. Semana passada a justiça determinou que toda e qualquer propaganda de bebida alcoólica (incluindo cerveja) fica proibida em todo o país entre as seis horas da manhã e às nove horas da noite.
A propaganda de cerveja fartamente veiculada pelas principais redes de TV e rádio, é fator incontrolável de estímulo irresponsável ao consumo abusivo. Estratégia de deseducação, essa publicidade visa moldar novos sujeitos para o consumo: jovens e adolescentes. O impacto desse tipo de propaganda principalmente nos mais jovens é brutal levando à banalização do consumo, ao utilizar a imagem de atletas e artistas famosos como mercadores inconsequentes. O resultado: aumento da violência, o sexo inseguro, mortes no trânsito.
O confinamento desse tipo de publicidade ao horário após as 21 horas me parece insuficiente. Precisamos de um debate mais transparente e aprofundado sobre a real influência dessas estratégias na construção de uma cultura que banaliza o consumo de um produto que potencialmente pode trazer graves danos á saúde como nos mostra o relatório lançado hoje pela revista Lancet.
Está mais do que na hora do Congresso Nacional assumir suas responsabilidades e aprovar em definitivo normas mais rigorosas para este tipo de publicidade.
José Gomes Temporão é ex-ministro da saúde e Membro Titular da Academia Nacional de Medicina