ANS vai controlar aumento dos planos coletivos

Correio Braziliense – 23/07/2012

Esses contratos, que incluem os empresariais com até 30 vidas, respondem por 80% do mercado, mas não estão sujeitos a regras e critérios que limitem os reajustes. Alguns convênios chegam a corrigir mensalidades em até 40% por ano

Em entrevista ao Correio, o presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Maurício Ceschin, explica que os reajustes de cada operadora terão o mesmo percentual para toda a carteira e não mais correções diferenciadas por plano administrado. Ele informa que o órgão está estimulando as operadoras a darem descontos aos conveniados que cuidam melhor da saúde e, por tabela, usam menos os convênios. Ceschin garante que punirá com rigor as empresas proibidas de vender 268 planos e revela que o governo avalia a possibilidade de se atrelar as prestações de planos a títulos de capitalização. O dinheiro poupado ao longo da vida será usado para cobrir os reajustes das mensalidades quando os consumidores se aposentarem. Historicamente, depois da aposentadoria, a renda diminui e os planos ficam mais caros.

Presidente da ANS diz que regulamentará os convênios que têm aplicado reajustes de até 40% ao ano. Órgão propõe que parte das mensalidades pagas pelos beneficiários seja destinada à capitalização para cobrir despesas depois da aposentadoria.

Depois de punir 37 operadores e proibir a venda de 268 planos de saúde em todo o país, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) vai regular os reajustes dos convênios coletivos, que agregam quase 80% das pessoas que, mensalmente, pagam pela assistência da rede privada. Na avaliação do presidente do órgão, Maurício Ceschin, não há mais como, de um ano para outro, os consumidores serem surpreendidos com aumentos que beiram os 40%.

A meta da ANS é definir um percentual único de reajuste para todos os planos administrados por uma mesma empresa. Isso será possível pelo que chama de pool de risco, a diluição dos custos entre todos os clientes das operadoras. O benefício atingirá, principalmente, convênios com até 30 pessoas, de micro e pequenas empresas, donas da maioria dos contratos. A partir do próximo ano, inclusive, esses convênios — os únicos que ainda têm carência para atendimento — darão direito à portabilidade, ou seja, o usuário poderá mudar para outra companhia que lhe ofereça serviços melhores.

Diante do rápido envelhecimento da população brasileira e dos custos crescentes com saúde, a ANS está propondo ao governo a criação de planos atrelados à capitalização. Ou seja, ao longo da vida, uma parcela da mensalidade será direcionada para uma poupança, que cobrirá parte do preço do convênio depois da aposentadoria do beneficiário, até o fim de sua vida. Historicamente, quando um trabalhador se aposenta, a renda diminui, com as despesas médicas se tornando um drama para a grande maioria. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista de Ceschin ao Correio Braziliense.

A suspensão de venda de 268 planos de saúde pegou de surpresa muita gente no mercado. A ANS estava precisando dar
essa resposta às operadoras?

A suspensão é fruto de uma resolução normativa que foi publicada em julho do ano passado. Nós fizemos uma pesquisa com as operadoras em julho de 2010, perguntamos a elas quais eram os prazos adequados para atendimento e qual tempo levavam para realizar os atendimentos. De mil operadoras pesquisadas, 800 responderam e a resolução foi publicada. Portanto, a agência não está dando uma resposta. Isso é parte integrante de uma agenda. Foi algo muito planejado.

Mas, até então, o que se via eram medidas e punições mais brandas. O que mudou?
Entrei na agência em novembro de 2009 e a minha percepção era de que havia uma prática de multar as operadoras, mas isso não estava mudando o comportamento das empresas em relação às demandas do consumidor. Então, passamos a tomar medidas que fossem indutoras de comportamento. Passamos a agir administrativamente, como: 1) suspender comercialização de produtos; 2) instalar regimes de direção técnica e definir claramente um monitoramento assistencial; 3) inabilitar gestores. Ou seja, passamos a tomar medidas administrativas paralelas às multas, ações mais imediatas em favor dos clientes. Com isso, atingimos o órgão mais sensível das operadoras, que é o bolso. A entrada de novos clientes, quando suspensa, propicia que a empresa, caso queira continuar a comercializar planos, tenha de se readequar, fazer uma parada para ajustes na sua estrutura.

A agência têm condições de garantir que as empresas punidas não continuem a vender planos? O que acontecerá se flagradas desrespeitando a ANS?
Além da multa de R$ 250 mil, as operadoras podem ser alvos de sanções administrativas (como intervenção). A primeira delas é a decretação do regime de direção-técnica, que é quando um agente público vai ao local constatar se as medidas que determinamos estão sendo cumpridas e se são suficientes para retomar a normalidade do atendimento. Caso contrário, isso progride para a alienação (venda) compulsória de carteira de clientes para outra empresa. Em último caso, podemos determinar a liquidação da operadora, tirando ela do mercado.

A ANS está disposta, se necessário, a partir para cima das operadoras?
Não há dúvida, porque o que temos que garantir é a entrega daquilo que foi contratado. Isso é ponto pacífico para a agência. As medidas têm uma finalidade pedagógica para o setor entender que acesso (aos serviços) é imprescindível para começarmos a discutir o setor. Isso não devia ainda ser motivo de discussão. Se o cliente assinou um contrato e a operadora prometeu uma entrega, o acesso tem que ser rápido e não meses depois, quando já não é mais oportuno. Saúde não tem tempo de espera. Nesse sentido, a burocracia que as operadoras exigem para que o paciente seja atendido também é relevante. E isso está sendo discutido internamente e com o setor. O que precisamos impedir é que a burocracia seja uma forma de dificultar acesso.

Algumas das operadoras pediram a revisão da suspensão da venda de planos. Elas tiveram sucesso?
Até agora não. Mas tem duas operadoras na listagem, a Unimed Brasília e a Unimed Guararapes, que têm liminares da Justiça impedindo a ANS de atuar na progressão das penalidades impostas não só por esse motivo (comercialização de planos), mas também em relação ao processo de direção fiscal, em que já tinham sido enquadradas por nós. Obviamente, por questão judicial, nós estamos impedidos de atuar.

Não está na hora de a ANS começar a regular os planos de saúde coletivos por adesão, que agregam boa parte dos
consumidores?
Para a ANS, o conceito de planos coletivos era de que, por comportar um número maior de pessoas do que o plano individual, aumentaria o poder de barganha do contratante ou da associação que representaria o beneficiário na relação com a operadora. Portanto, nem a agência nem a lei previram que a agência atuasse no sentido de determinar reajustes, porque a própria dinâmica do mercado protegeria o beneficiário nesse caso.

Mas não é o que ocorre. Os planos têm anunciados reajustes de quase 40%.
Percebemos que, nos planos coletivos com até 30 vidas, que têm carência, pelo número menor de beneficiários, o consumidor tem o mesmo comportamento de um plano individual. O que é óbvio, porque, naturalmente, os contratantes são micro e pequenas empresas constituídas por pessoas que não tiveram acesso à contratação de um plano individual, talvez porque o custo fosse elevado. Como na contratação da pessoa jurídica existe a liberdade maior de reajuste, as empresas praticam um preço menor no início e, com o aumento da sinistralidade (uso dos planos), o aumento vem de forma exagerada. Isso, obviamente, causa um desequilíbrio, uma assimetria na relação.

E o que a ANS pode fazer para evitar isso?
Criamos um grupo, publicamos uma nota técnica (sobre planos coletivos), constituímos uma câmara técnica, que já fez quatro reuniões. Agora, isso vai para consulta pública, nesta ou na próxima semana. Haverá uma resolução normativa dizendo o seguinte: doravante, os planos coletivos de adesão ou empresariais com até 30 vidas deverão ser tratados como pool de risco. Ou seja, o reajuste vai ser um só para toda carteira (de planos coletivos) de uma mesma operadora.

O aumento passará a ser determinado pela agência, como nos planos individuais?
Não, continuará a ser livre. Só que será um para toda a carteira. O que acontece quando você faz isso? Em vez de o reajuste ser calculado em cima daquela micro ou pequena empresa, que tem cinco ou 10 pessoas, será calculado em cima do pool de risco. Você aproveita o princípio do mutualismo, que rege as relações securitárias, em prol dessa população, que ficará mais protegida. Por que o nosso interesse em deixar o reajuste livre? Porque eu tenho a percepção de que, quando a ANS define o reajuste para planos individuais, ele pode ser abaixo (do limite razoável) em alguns casos, como pode ser acima em algumas regiões do país. Então, toda vez que determinamos, podemos estar errando. É claro que a agimos com base nos dados que as próprias operadoras nos fornecem. Ao deixar que a empresa calcular o reajuste com base no pool de risco, ela terá que tornar público isso e deixar à mostra o percentual para qualquer consumidor consultar. Isso cria uma concorrência saudável. Todas as operadoras terão que divulgar quais reajuste deram para as suas carteiras e o consumidor poderá comparar os preços.

Os planos coletivos correspondem a 80% do mercado. Quantos consumidores serão beneficiados com essa medida?
Hoje, quase 80% do número de contratos da saúde suplementar de planos coletivos são de micro e pequenas empresas. Em termos de contratos, é um número muito elevado. Talvez, você possa ter três ou quatro pessoas por contrato. Então, a população total não é tão grande. Mas o número de contratos é o que rege a relação comercial. Na hora que você tem um pool de risco, você traz todos esses contratos para uma regra que favorece o consumidor, porque ele passa a ter uma estabilidade maior quanto ao reajuste. Tome como exemplo uma empresa de quatro pessoas. Se um funcionário fosse internado na UTI, quanto seria o reajuste do ano seguinte desse plano? Certamente, se tornaria proibitivo. Agora, na hora em que a gente insere isso num contexto de 10 mil vidas, 100 mil vidas, é outra história. Dependendo do número de pessoas, há uma linearidade do custo assistencial, o que justifica o reajuste contratual.

A operadoras vão receber bem essa mudança?
Não há resistência das operadoras em relação a esse princípio. Obviamente, as empresas queriam mais flexibilidade, calcular por região, fazer isso em bandas. Mas todas as grandes operadoras já adotam o princípio do pool de risco no cálculo atuarial (que prevê quanto será o custo com a gestão) das suas carteiras. Não estou dizendo que as empresas aplicam os reajustes com base nesse cálculo. E essa é a grande questão. Se ela faz a análise pelo cálculo, por que não aplicar o reajuste pelo cálculo? Com a mudança, as operadoras podem até aplicar isso como quiserem, mas terão de competir pelo beneficiário.

E qual é o próximo passo?
Nós iremos divulgar, nos próximos 15 dias, uma resolução normativa obrigando as operadoras a terem à disposição e divulgarem à ANS a nota técnica de registro de produto. O quer dizer isso? Quando a empresa quer registrar um plano, tem que dizer qual é o convênio, qual a rede credenciada e qual o preço que será comercializado. A agência sempre obrigou as operadoras a divulgarem os planos individuais e familiares, os únicos que podemos determinar o reajuste dos contratos. Mas essa nota técnica não regulava o reajuste de planos coletivos, como ainda não regula. Mas, na medida em que vamos obrigá-las a ter o pool de risco, terão de levar para a agência a nota técnica atuarial, porque o próximo passo da portabilidade da saúde suplementar é avançar para os planos coletivos de até 30 vidas. Eles são os únicos que ainda não têm portabilidade, e que têm carência. Então de posse desse documento, poderemos fazer a comparação entre os planos para oferecer aos beneficiários todo o leque de opções que ele tem quando quiser mudar de plano. Com isso, a partir do ano que vem, toda a saúde suplementar, sem exceção, terá a opção da portabilidade. Isso vai induzir o mercado a concorrer em proveito do consumidor.

Há previsões mostrando que, daqui a 30 anos, mantidos os reajustes atuais, os custos com planos de saúde vão superar a renda dos brasileiros?
Isso é possível?
O que tem de ficar claro é que, em todo o mundo ocidental, custos com saúde crescem mais do que a inflação, em geral. Isso não é uma prerrogativa brasileira, mas de toda a sociedade organizada. E isso tem lógica de acontecer. Estamos envelhecendo mais. Isso é biológico. Quanto mais a gente envelhece, mais se gasta com saúde. Temos trabalhado com agendas, de curto, médio e longo prazos. Existem trabalhos acadêmicos que mostram que a cada US$ 1 investido em programas de prevenção a doenças e promoção de saúde, você economiza US$ 4 no sistema de saúde. No ano passado, soltamos uma resolução normativa autorizando os planos a concederem descontos a quem cuida da saúde. Isso ajuda na redução dos custos no longo prazo. Sabemos que o idoso, na saúde suplementar, custa de oito a 12 vezes mais do que um adulto jovem. Como a população idosa triplicará nos próximos 40 anos, o impacto na saúde será brutal. É por isso que temos que discutir novos modelos. Por isso, propusemos e encaminhamos à Susep (Superintendência de Seguros Privados) um modelo de plano de saúde atrelado à capitalização. A ideia é que parte do valor pago pelo indivíduo ao longo da vida seja capitalizado para que ele possa cobrir, ao se aposentar, os gastos com saúde. Lá na frente, quando a pessoa tiver queda de rendimento e alta de consumo de serviços médicos, poderá pagar o plano para o resto da vida. Tudo, no entanto, depende de aprovação de um projeto de lei.