Ao Excelentíssimo Senhor Deputado Federal Arthur Lira
Ao Excelentíssimo Senhor Deputado Federal Arthur Lira
Presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJC da
Câmara dos Deputados
(dep.arthurlira@camara.leg.br)
Ref.: PL 139/1999 – “reforma da lei de patentes”
Designação de relator(a)
Excelentíssimo Senhor Deputado,
Estão em tramitação nesta Câmara dos Deputados diversos projetos de lei que compõem a chamada “reforma da lei de patentes”. Atualmente, os projetos de lei estão apensados ao PL 139/1999 e aguardam análise desta Comissão de Constituição e de Justiça e de Cidadania – CCJC, presidida por Vossa Excelência. No momento em que deve ser designado relator(a) para o PL 139/1999, conclamamos que Vossa Excelência reconheça o caráter iminentemente público da lei de patentes e seus impactos na saúde pública e no acesso a medicamentos, e não apenas interesses privados e industriais. Trata-se de um tema de alto impacto social, e não apenas comercial.
O sistema de patentes existe para promover uma troca entre o público e o privado. Enquanto os atores privados se beneficiam com os monopólios proporcionados pelas patentes, a sociedade deveria se beneficiar da acumulação de conhecimento em domínio público. No entanto, graças a falhas na nossa lei de patentes e em sua interpretação e aplicação, o interesse público muitas vezes sai prejudicado nessa troca. Como resultado, medicamentos que deveriam estar em domínio público são bloqueados por monopólios privados intermináveis, dificultando a utilização de genéricos e mantendo os preços altos. Toda a sociedade sofre as consequências deste mau funcionamento do sistema de patentes: muitas pessoas são excluídas do acesso a medicamentos de que necessitam, consumidores pagam mais caro, empresas concorrentes perdem espaço, o sistema de saúde compromete seus já escassos recursos e pacientes se deparam com medicamentos anunciados como novos, mas que não apresentam vantagens terapêuticas em relação aos que já existem. Sem uma reforma da lei de patentes esses problemas serão aprofundados e perpetuados, fazendo com que toda a sociedade seja lesada para sustentar monopólios privados, muitas vezes indevidos.
Como exemplo do impacto das patentes no preço de medicamentos e, consequentemente, no acesso e orçamento público de saúde, podemos comparar os preços pagos pelo Brasil por três medicamentos selecionados com preços de versões genéricas disponíveis no mercado internacional. O rituximabe (MabThera®, Roche) é utilizado no tratamento de câncer; a linezolida (Zyvox®, Pzifer) é utilizada no tratamento de tuberculose multirresistente e o atazanavir (Reyataz®, BristolMyersSquibb) é utilizado no tratamento de HIV/AIDS. Durante a vigência da patente, esses medicamentos só podem ser comprados das empresas detentoras das patentes, mesmo havendo versões genéricas comercializadas a preços muito mais baixos no mercado internacional.
O Brasil poderia, por exemplo, adotar a medida de proteção à saúde pública conhecida como importação paralela, que permitiria a compra de versões mais baratas legalmente disponíveis no mercado internacional, o que levaria a uma substancial economia de recursos públicos. Ou adotar o uso público não comercial para fabricação em um laboratório público com custo mais baixo. No entanto, essas medidas de proteção à saúde não estão atualmente previstas na lei de patentes brasileira.
Em meio a tantos debates sobre a destinação dos recursos públicos, gastos com políticas sociais e quantidade de recursos que devem ser destinados à saúde, se perde de vista o fato de que boa parte desses recursos é gasta com produtos em situação de monopólio privado, muitas vezes indevidos. Essa é uma ameaça constante à sustentabilidade do SUS e ao acesso a medicamentos, que tem raízes na lei de patentes.
A saúde é um direito e não uma mercadoria. A sociedade brasileira tem a oportunidade de fortalecer seu compromisso com um sistema de saúde público e universal, reconhecendo que propriedade intelectual não é um tema técnico e sim um tema político de alta relevância para a saúde pública. A reforma da lei de patentes, sob a perspectiva do interesse público, pode contribuir para ampliar o acesso a bens de saúde e redução dos gastos do sistema de saúde, corrigindo disparidades históricas que possibilitam privilégios privados imerecidos, ao invés de corte em direitos sociais garantidos pela Constituição Federal.
Assim, conclamamos que a designação do(a) relator(a) para o PL 139/1999 e seus apensos seja feita com base em critérios de interesse público, visando a assegurar a um processo comprometido com os direitos humanos, com a saúde público e com o interesse nacional, bem como um diálogo amplo com todos os setores da sociedade.
Ana Maria Costa
Presidenta do CEBES
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Entidade acadêmica e ativista criada em 1976 que tem como objetivo a luta pela democracia e pelo direito à saúde.