Apesar do apelo da ONU, rascunho da Rio+20 empaca em detalhes
Agência o globo
Em NY, diplomatas passam o dia incluindo emendas e apontando divergências
De nada adiantaram os apelos do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e dos dirigentes da Rio+20. Ontem, no início da última rodada de negociações em Nova York, a três semanas da conferência do desenvolvimento sustentável, os delegados dos 193 países-membros retomaram o minucioso trabalho de discutir palavra por palavra as 80 páginas do texto-base do documento a ser votado no Rio. Na abertura da sessão da tarde, o secretário-geral pediu pressa:
– O tempo está acabando. Não é razoável deixar tudo para os líderes resolverem no Rio em três dias. Aqui e agora temos a última oportunidade de garantir o resultado desejado.
Imediatamente após a saída do secretário-geral, o penoso processo retomou seu curso, como se os representantes nacionais não tivessem ouvido o pedido de que olhassem o quadro geral, deixando interesses específicos de países de lado. Diplomatas do Canadá, da Suíça, da Nova Zelândia, dos Estados Unidos, do Cazaquistão, da Turquia e da União Europeia se revezaram a tarde toda na inclusão de emendas e no acréscimo de observações entre colchetes (que, na diplomacia, significam discordância).
Era tudo o que os codirigentes da Rio+20, John Ashe (embaixador de Antígua) e Kim Sook (embaixador da Coreia do Sul), indicados por Ban para enxugar o texto do rascunho zero após a primeira rodada de negociações, não queriam. Pela manhã, Kim provocou risos na plateia ao abrir os trabalhos:
– Oitenta páginas já é muito. O melhor seria que vocês concordassem com tudo ou apenas cortassem. Não sobrecarreguem este texto com mais palavras, já passamos da fase de examiná-lo com microscópio.
O secretário-geral disse ter comparecido à reunião para “injetar uma dose de sentido de urgência”, mas aparentemente o objetivo não foi atingido. O texto do rascunho zero continuou sendo modificado exaustivamente, com adições e colchetes projetados em telões nas paredes da sala de conferências número três do prédio provisório (apelidado de edifício Ikea) da ONU, erguido para abrigar os trabalhos durante a reforma do prédio principal.
No capítulo de energia, discutido ontem, a delegação do Cazaquistão alterou a proposta de “energia sustentável para todos”, digitando como acréscimo que a meta fosse buscada “com base em um mapa do caminho, a ser desenvolvido em um processo multilateral, envolvendo todas as partes interessadas”.
Muitos jogos de palavras têm como pano de fundo interesses econômicos e o conflito entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, representados pelo G-77, grupo que o Brasil integra. No que diz respeito à mudança climática, por exemplo, a União Europeia e a Noruega acrescentaram a sugestão de um compromisso de não permitir que a temperatura do planeta suba mais do que 2 graus Celsius, em relação aos parâmetros anteriores à industrialização. O G-77 pediu que fosse observado que essa meta teria que levar em conta responsabilidades históricas e necessidades diferenciadas.
Os Estados Unidos pediram alteração no texto que fala de subsídios a combustíveis fósseis (petróleo e carvão), observando “as necessidades individuais de cada país”. As intervenções dos EUA foram no sentido de tornar o texto mais frouxo, reduzindo o compromisso dos signatários. Já a Suíça deu uma contribuição meramente retórica, adicionando ao parágrafo que trata do acesso universal água potável e saneamento, necessário não apenas para a saúde pública e para a erradicação da fome e da miséria, mas “para a dignidade humana”.
– Isso (o acréscimo) é muito importante – afirmou a representante da Suíça.