A Atenção Primária à Saúde e o impacto na redução das internações por CSAP

O enfermeiro Rafael Barros escreveu um artigo com dados sobre o impacto da Atenção Primária à Saúde (APS) nas internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (CSAP), como pneumonias bacterianas, complicações da diabete e da hipertensão, entre outras. CSAP são problemas de saúde atendidos por ações típicas do primeiro nível de atenção e cuja evolução, na falta de atenção oportuna e efetiva, pode exigir a hospitalização. O texto foi revisado pelo núcleo Bahia do Cebes. Além de enfermeiro, Rafael é professor da Escola de Enfermagem da UFBA, pesquisador do Instituto de Saúde Coletiva/UFBA e Militante da Reforma Sanitária Brasileira. A base de dados utilizada foi o DataSUS.

Há um conjunto de evidências mostrando o impacto da Atenção Primária à Saúde na redução das internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (CSAP) em diversos países e no Brasil1-6. Seguem algumas reflexões com dados da Atenção Primária Brasileira.  

Em nosso país, da lista com 19 grupos de causas (PORTARIA Nº 221, DE 17 DE ABRIL DE 2008 do MS), o maior número de internações ainda deriva de causas cerebrovasculares (com destaque para o acidente vascular cerebral), e o menor, o grupos das anemias. 

Vale destacar o ainda forte impacto das internações por infecções urinárias em nosso país, condição sensível ao acompanhamento contínuo e ações educativas individuais e em grupo, com estímulo à adequada ingestão de água e certos cuidados com a higiene e as roupas íntimas.

Outro destaque são as ainda muito presentes Doenças Pulmonares, em especial as bronquites (CID J20, J21, J40, J41 e J42), que também pode ser prevenidas com ações relacionadas com hábitos que mudaram diante da pandemia de Covid-19 (lavar e higienizar as mãos, cobrir a boca ao tossir, uso de máscara em período sintomático).  Entretanto, é possível ter a impressão que em 2023, tais “novos” hábitos já não estão tão presentes no cotidiano das pessoas, diante do “cansaço” de tais medidas nos períodos agudos da pandemia. 

Excetuando as internações por infecções urinárias, que são mais frequentes em mulheres, as cinco maiores causas de internações são semelhantes entre homens e mulheres. Contudo, os homens apresentam uma taxa um pouco maior que as mulheres na maioria dos grupos de causas.

Vale aqui uma indicação de investigação para pesquisadores do campo da saúde coletiva, que possa explicar com maior profundidade as causas desta diferença nas internações entre homens e mulheres. Hipótese: os hábitos alimentares e de atividades físicas de homens e mulheres são diferentes no Brasil ao ponto de influenciar a taxa de internações por doenças cerebrovasculares?

Como já se sabe, idosos e crianças têm proporcionalmente as maiores taxas de internações por CSAP por 100.000 hab. Há  forte impacto da Asma e doenças pulmonares (com destaque para as bronquiolites) sobre internações de crianças. Neste caso, é possível supor que as Unidades da Atenção Primária (com equipe de SF ou AP) tem importante déficit estrutural para ofertar o procedimento de inalação ou nebulização. Possivelmente, poucas unidades possuem sala específica para inalação/nebulização ou mesmo possuir o equipamento (nebulizador, seja portátil ou fixo). Isso reflete na disparidade de registro dos procedimentos, onde em dezembro de 2022 foram registradas 16.824 administrações de medicamentos por inalação/nebulização na APS brasileira e 716.891 adm. de medicamentos por via intramuscular (aqui, excetuam-se as vacinas) e apenas 38% (2116) dos municípios fizeram ao menos 01 procedimento de inalação ou nebulização na APS.

Ou seja, ao não ofertar de forma satisfatória a inalação/nebulização na APS, parte importante destes usuários, partem para Unidades de Pronto Atendimento em busca de solução para crises respiratórias agudas, principalmente de crianças. Portanto, recomenda-se a investigação do efeito, seja da estrutura (presença de salas ou dos equipamentos) ou mesmo da oferta de inalação/nebulização (processos), sobre as internações do grupo de Doenças Pulmonares por CSAP. 

É interessante observar que a taxa de internações por CSAP tem reduzido ao longo dos anos. Ainda que não seja possível isolar os efeitos da APS, os estudos já apontam que o avanço da cobertura das equipes de saúde da família nos últimos 20 anos 7. E mesmo em contexto de vulnerabilidade social, os municípios onde a APS funciona melhor, possuem menor taxa de internações por condições sensíveis à atenção primária 8.

Esse gráfico aponta queda mais acentuada das internações entre 2020 e 2021. Essa redução estaria  associada à pandemia de Covid-19 de alguma forma? É possível afirmar que as internações já voltaram ao patamar anterior?  

E por fim, esta tendência geral, foi diferente a depender dos grupos de causas? Por exemplo, a prevalência de pessoas com diabetes no Brasil está aumentando. Este fato está associado também com aumento de internações? Novos estudos são necessários!

De um modo geral, a redução das internações  por CSAP precisa ser um dos principais objetivos da rede de atenção à saúde no Brasil. Acompanhar este indicador é essencial para avaliação do desempenho do SUS e principalmente da APS nos municípios. 

Recomenda-se, portanto, novos estudos de casos em nível municipal, sobretudo após esse período de maior gravidade da pandemia de Covid-19, para se observar práticas específicas de estrutura e processos da APS com boas experiências e resultados para serem  reproduzidos em outros locais. 

Referências:

  1. Rasella D, Harhay MO, Pamponet ML, Aquino R, Barreto ML. Impact of primary health care on mortality from heart and cerebrovascular diseases in Brazil: a nationwide analysis of longitudinal data. BMJ. 2014 Jul 3;349(jul03 5):g4014–g4014. https://doi.org/10.1136/bmj.g4014
  2. Aquino R, de Oliveira NF, Barreto ML. Impact of the family health program on infant mortality in Brazilian municipalities. Am J Public Health. 2009 Jan;99(1):87–93. https://doi.org/10.2105/AJPH.2007.127480
  3. Rasella D, Aquino R, Barreto ML. Impact of the Family Health Program on the quality of vital information and reduction of child unattended deaths in Brazil: an ecological longitudinal study. BMC Public Health. 2010 Jun 29;10:380. https://doi.org/10.1186/1471-2458-10-380
  4. Rasella D, Aquino R, Barreto ML. Reducing childhood mortality from diarrhea and lower respiratory tract infections in Brazil. Pediatrics. 2010 Sep;126(3):e534-540. https://doi.org/10.1542/peds.2009-3197
  5. Dourado I, Oliveira VB, Aquino R, Bonolo P, Lima-Costa MF, Medina MG, et al. Trends in primary health care-sensitive conditions in Brazil: the role of the Family Health Program (Project ICSAP-Brazil). Med Care. 2011 Jun;49(6):577–84. https://doi.org/10.1097/MLR.0b013e31820fc39f
  6. Castro DM de, Oliveira VB de, Andrade AC de S, Cherchiglia ML, Santos A de FD. The impact of primary healthcare and the reduction of primary health care-sensitive hospital admissions. Cad Saude Publica. 2020;36(11):e00209819. https://doi.org/10.1590/0102-311X00209819.
  7. Castro, Dayanna Mary de et al. Impacto da qualidade da atenção primária à saúde na redução das internações por condições sensíveis. Cadernos de Saúde Pública [online]. v. 36, n. 11 [Acessado 28 Fevereiro 2023] , e00209819. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0102-311X00209819>. ISSN 1678-4464. https://doi.org/10.1590/0102-311X00209819.
  8. Pinto, Luiz Felipe e Giovanella, Ligia Do Programa à Estratégia Saúde da Família: expansão do acesso e redução das internações por condições sensíveis à atenção básica (ICSAB). Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2018, v. 23, n. 6 [Acessado 28 Fevereiro 2023] , pp. 1903-1914. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.05592018>. ISSN 1678-4561. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.05592018.