Arquivamento da MP nº 557: o assunto não está encerrado
De Ana Maria Costa e Luís Bernardo Delgado Bieber
Na última quinta-feira, 31 de maio, esgotou-se o prazo de vigência da Medida Provisória nº. 557/2011, sem que tivesse logrado ser aprovada no Congresso Nacional. Editada em 26 de dezembro de 2011, e publicada na Imprensa Oficial no dia seguinte, a medida instituía o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para a Prevenção da Mortalidade Materna, autorizava a União a conceder benefício financeiro e ainda modificava a Lei nº. 8.080, de 19 de setembro de 1990 (a Lei Orgânica da Saúde – LOS), e a Lei nº. 9.782, de 26 de janeiro de 1999, que definiu o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Publicada no fim de 2011, entre as festas de final de ano, quando se esperaria menor mobilização social, a Medida foi alvo de intensas críticas de entidades e militantes dos movimentos sociais, em especial do movimento de mulheres, por incluir, entre tantas medidas não discutidas com a sociedade, um cadastramento compulsório de gestantes, criando um mecanismo com o qual vigiar a ida reprodutiva das mulheres.
As críticas foram tantas que a Medida Provisória foi, de maneira inusitada, republicada um mês depois, em 27 de janeiro de 2012, sob a justificativa de “retificação” da Medida Provisória. Na versão “retificada”, foi retirada a modificação na Lei nº. 8.080/90, que inseria um novo artigo na LOS para prever à gestante e ao nascituro o direito à segurança e à humanização no pré-natal, no parto, no nascimento e no puerpério, tanto nos serviços públicos de saúde quanto nos privados, bem como garantir às gestantes a presença de um acompanhante durante o período de internação.
Se a retificação excluiu um dos principais alvos das críticas do movimento feminista, ao prever direitos ao nascituro, cuja condição de sujeito de direitos, segundo a legislação brasileira vigente, é sempre excepcional (como o direito à herança), sob a perspectiva do processo legislativo, essa “retificação” importou em “zerar” o período de vigência da Medida provisória até então transcorrido e em reiniciar todo o processo de tramitação legislativa para a sua aprovação.
No entanto, mesmo reiniciado o prazo de vigência da Medida Provisória e removido um dos principais objetos de crítica, não se formou no Congresso Nacional um consenso mínimo que permitisse a sua aprovação e a Medida Provisória perdeu a sua vigência antes de ser apreciada pelo Plenário da Câmara dos Deputados e enviada ao Senado Federal. Agora está, felizmente, arquivada.
O CEBES posicionou-se contrariamente à aprovação desta MP, alinhando-se ao Conselho Nacional de Saúde, às feministas e à ABRASCO, entre outros setores da militância da saúde coletiva e dos direitos humanos. Era uma medida vertical e isolada, que pulveriza esforços e fragmenta o cuidado à saúde das mulheres, de maneira não condizente com uma política integral de saúde da mulher.
Muitos integrantes da Câmara dos Deputados contribuíram no fortalecimento da oposição e na mobilização para a derrubada de uma Medida Provisória tão desejada pelo Ministério da Saúde, que regulamentou a concessão do benefício financeiro por ela criada (Portaria GM/MS nº. 68, de 11 de janeiro de 2012), antes mesmo de ver a Medida aprovada pelo Poder Legislativo.
Alem da chamada “bancada evangélica” e do Ministério da Saúde, não foram identificados outros partidários ou simpatizantes da MP 557, ora arquivada.
O consenso entre as entidades do campo sanitário, particularmente o CEBES e a ABRASCO, é de que a instituição de um cadastro de gestantes e o auxílio financeiro para custeio do transporte da gestante ao serviço de saúde, principais pontos dessa Medida Provisória, não apresentam potencial efetivo de impactar o indicador de mortalidade materna e infantil. Expectativas equivocadas apenas adiarão ainda mais o real enfrentamento dos determinantes das mortes das mulheres.
A iniciativa em registrar as mulheres grávidas é desnecessária, uma vez que as informações existentes atualmente são suficientes para conhecer o problema da morte materna e, dessa forma, planejar e definir estratégias nacionais e locais para mudar o cenário da tragédia cotidiana das mortes de mulheres. Isso ainda mais especialmente nos moldes adotados nesse Cadastro, impregnado do risco de expor as mulheres e suas vidas reprodutivas aos olhares públicos, em uma sociedade polarizada quanto à moralidade sobre os direitos sexuais e reprodutivos.
O certo é que a Medida ameaçava a identificação e a denúncia (criminal) daquelas mulheres que, grávidas, optassem pela interrupção da gestação. O lobby anti-legalização do aborto no interior do Congresso e mesmo no Governo é muito forte e dispõe de muitos recursos financeiros e políticos.
Por isso, apesar de não ser possível a edição de nova Medida Provisória sobre o tema, não se deve dar por encerrado o assunto. Nem o risco. Em especial, num cenário eleitoral que se aproxima, envolvendo negociações em que tema é sempre moeda de troca para o apoio dos setores mais conservadores da sociedade.
Para além destas considerações de caráter mais geral, havia ainda na Medida Provisória outras questões mais pontuais que merecem uma reflexão mais aprofundada:
Ana Maria Costa, Presidente do CEBES, é médica e sanitarista.
Luís Bernardo Delgado Bieber, Diretor Executivo nacional do CEBES, é bacharel em direito e servidor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA