As novas configurações do trabalho

É razoavelmente comum a afirmação de que as mulheres são a maioria entre os pobres ou que sua renda não acompanha a dos homens. Essa percepção deu origem a um termo que surgiu na década de 70, ganhou força na de 90 e hoje é objeto de controvérsias: feminização da pobreza. Como engloba dois problemas graves — pobreza e desigualdade de gênero — e, portanto, precisa ser alvo de políticas públicas, é fundamental definir mais claramente o conceito, argumentam dois pesquisadores do Centro Internacional de Pobreza, uma instituição de pesquisa do PNUD em parceria com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

O assunto “merece atenção especial dos formuladores de políticas na determinação da alocação de recursos para medidas pró-eqüidade de gênero ou antipobreza. Se a pobreza não está sendo ‘feminizada’, os recursos podem ser direcionados para outros tipos de política”, afirmam Marcelo Medeiros e Joana Costa no artigo What do we mean by “Feminization of Poverty”?.

Eles defendem que o conceito deve significar uma “mudança nos níveis de pobreza com uma tendência desfavorável às mulheres ou aos domicílios chefiados por mulheres”. O termo pobreza é tomado como “falta de recursos, capacidades ou liberdades”.

Como se trata de mudança, “feminização” tem de implicar processo, argumentam os autores — mais especificamente, um processo que faça com que as carências implícitas no conceito de pobreza se tornem mais comuns ou intensas entre as mulheres ou nos lares por elas chefiados. “Como implica mudança, a feminização da pobreza não deve ser confundida com a prevalência de níveis maiores de pobreza entre as mulheres ou domicílios chefiados por mulheres. Feminização é um processo, enquanto ‘maior nível de pobreza’ é um estado”, afirma o artigo.

Além disso, a palavra remete à comparação entre os gêneros. Assim, haveria feminização da pobreza não só numa situação de perda de renda das mulheres, mas também num quadro em que a pobreza cai mais entre os homens do que entre elas.

Para monitorar o fenômeno, os pesquisadores sugerem a análise da variação de dois indicadores ao longo do tempo: proporção de mulheres pobres e de domicílios pobres chefiados por mulheres. O primeiro é importante por abranger um universo amplo: também leva em conta crianças e adolescentes do sexo feminino ou a esposa do chefe de domicílio. O segundo, porém, pode refletir mais diretamente as diferenças entre os gêneros.

Nos dois casos, os cálculos se baseiam no universo de mulheres — ou seja: do total de mulheres, qual é a proporção de pobres (ou do total de domicílios chefiados por mulheres, qual a proporção dos pobres). Os autores consideram inadequado tomar como base o universo de pobres — ou seja: dos pobres, quantos são mulheres (ou, dos domicílios pobres, quantos são chefiados por mulheres). Nesse enfoque, argumenta o texto, “as medidas de feminização da pobreza podem ser afetadas por mudanças na composição demográfica da população.” Em entrevista à PrimaPagina, Joana Costa cita o exemplo da alteração do perfil da chefia dos domicílios. Um enfoque que se restrinja ao universo dos pobres indicaria que, entre os lares pobres, aumentou a proporção dos que são chefiados por mulheres — haveria, portanto, uma feminização da pobreza. “Mas esse fenômeno [aumento de domicílios chefiados por mulheres ocorre em todas as camadas da população, não apenas entre os pobres. É algo demográfico”, argumenta.

 

Fonte: PNUD