As telhas e os pesticidas que levam à morte
Correio Braziliense – 28/02/2012
Magistrado e professor
Há mais de 10 anos, a Justiça brasileira se defronta, sem uma solução definitiva e em meio a decisões conflitantes, com a questão da grave ameaça à saúde pública causada pela produção e utilização de materiais à base de amianto e asbestos, comprovadamente causadores de câncer. A Lei 12.684, de 26 de junho de 2007, do Estado de São Paulo, veio proibir a fabricação e comercialização de produtos que contenham aquelas substâncias, mas a Lei nº 9.055/95, federal, havia autorizado a utilização do amianto do tipo crisólita e vedado os demais.
O Supremo Tribunal Federal tem 18 registros de processos sobre essa matéria, com diferentes conclusões. A decisão mais recente, do ministro Marco Aurélio, concede cautelar para permitir o transporte no território paulista dessas mercadorias, não obstante a proibição da lei estadual. No entanto, o plenário daquela corte já havia se pronunciado de modo a validar a vedação paulista em acórdão assim ementado: “Na dicção da ilustrada maioria, em relação à qual guardo reservas, não há relevância em pedido de concessão de liminar, formulado em ação direta de inconstitucionalidade, visando à suspensão de lei local vedadora do comércio de certo produto, em que pese à existência de legislação federal viabilizando-o”.
É certo que o STF, antes, havia decidido pela invalidade da lei estadual, em acórdão da lavra do ministro Maurício Corrêa, de cuja ementa consta: “Lei editada pelo governo do Estado de São Paulo. Ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo governador do Estado de Goiás. Amianto crisotila. Restrições à sua comercialização imposta pela legislação paulista, com evidentes reflexos na economia de Goiás, estado onde está localizada a maior reserva natural do minério. Legitimidade ativa do governador de Goiás para iniciar o processo de controle concentrado de constitucionalidade e pertinência temática. 2. Comercialização e extração de amianto. Vedação prevista na legislação do Estado de São Paulo. Comércio exterior, minas e recursos minerais. Legislação. Matéria de competência da União (CF, artigo 22, VIII e XIII). Invasão de competência legislativa pelo Estado-membro. Inconstitucionalidade. legislar sobre comércio interestadual (CF, artigo 22, VIII). Extrapolação da competência concorrente prevista no inciso V do artigo 24 da Carta da República, por haver norma federal regulando a questão”.
Em outros países, a Justiça já baniu o amianto. Na Itália, o tribunal de Turim condenou a 16 anos de prisão os antigos dirigentes da empresa Eternit, Stepahn Schmidhein, de 64 anos, e o barão Louis de Cartier de Marchienne, de 90 anos, e mais uma indenização de 250 milhões de euros às 3 mil pessoas vitimadas pelos efeitos do amianto, utilizado na fabricação de telhas e outros materiais de construção. A mesma empresa responde a processos na França, Suíça e Bélgica, denunciadas pela contaminação por essa substância altamente cancerígena.
O Conselho de Estado francês submeteu a novo exame o herbicida Roundup, fabricado pela Monsanto, gigante norte-americana de produtos fitossanitários, e vendido amplamente nas lojas e supermercados para os que cultivam plantas. O procedimento decorre de reclamação do agricultor Jacques Maret. Na esfera jurisdicional, tramita outro processo, movido pelo produtor Paul François, da cidade de Charent, que ganhou ação movida contra a Monsanto no Tribunal de Grande Instância de Lyon, após constatadas as lesões causadas pelo uso do herbicida Lasso.
Outra revelação recente é a do estudo publicado no Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism, deste mês, quanto ao uso do bisphenol (BPA) , empregado em diversas embalagens e latas de alimentos, como causa de obesidade e de diabetes tipo 2.
Está na hora de o Congresso Nacional rever a permissão contida na Lei nº 9.055/95 e de editar normas proibitivas da fabricação de produtos que apresentam sério risco à saúde pública, o que implica a salvaguarda da vida de milhões de brasileiros.