Bebês “viciados”

23/05/2012

Dr. Rosinha

Relativamente poucos, felizmente, tiveram contato com o ópio ou seus derivados. Digo felizmente porque alguns entram em contato para usar como droga e outros, como medicamentos. Em ambos os casos, não é nada bom.
Como droga, a pessoa adquire um vício que, como todos, faz mal à saúde. Como paciente, quando a dor é intensa, faz-se uso do ópio, que também pode levar ao vício. Tanto eu como meu falecido pai já usamos como medicamento.

Acometido de muita dor devido a um câncer de bexiga, meu pai usou um derivado do ópio como analgésico. O médico resistiu ao máximo para prescrevê-lo. Só o fez quando, pela intensa dor, meu pai não conseguia dormir.
Na primeira vez que usou, fui eu que injetei no seu músculo. Cerca de 15 minutos depois, na cadeira-poltrona em que estava sentado, dormiu profundamente. Acordou cerca de seis horas depois, com melhor humor e pedindo para comer, coisa que não pedia fazia vários dias.

Encontrei-o no dia seguinte. Perguntou-me o que tinha aplicado, pois além do sono profundo teve bons sonhos. Relatou-me ter sonhado com a sua infância, coisa que, segundo ele, nunca tinha acontecido. Disse-me também que tinha sonhado com a mudança de São Paulo para o Paraná, e o período de derrubada da mata para plantar café. Em seguida, pediu-me que aplicasse outra injeção naquele dia. Assim iniciamos o seu “tratamento” para a dor, com o uso de derivado do ópio. Foi num crescente: de pequenas doses, em longos intervalos, para doses maiores em intervalos curtos.

Por prescrição médica, também já fiz uso de analgésico derivado do ópio e afirmo: a dor sai como se fosse tirada com a mão e, em seguida, o sono toma conta –não raro com bons sonhos. Como o meu uso foi pontual, para um momento específico, e retirado em seguida, não se estabeleceu o vício.

A BBC Brasil informou no começo do mês que a revista científica da American Medical Association publicou um estudo que comprova que nasce um bebê por hora, nos Estados Unidos, “viciado”.

“Entre 1999 e 2009, triplicou o número de recém-nascidos com síndrome de abstinência no país, devido a um grande aumento na incidência de grávidas viciadas em substâncias legais e ilegais derivadas do ópio”, diz a reportagem. O estudo foi baseado em dados de mais de quatro mil hospitais e o problema constatado é o vício por analgésicos, entre eles oxicodona e codeína. “Só em 2009, 13,5 mil bebês teriam nascido no país com síndrome de abstinência neonatal.”

O ópio, usado como droga –pode ser mascado ou fumado– provoca euforia e, na sequência, um sono confortante que pode conduzir a uma dependência física e/ou psicológica. Como medicamento é sonífero e potente analgésico. De acordo com o estudo publicado, é na condição de medicamento que o ópio tem causado o principal problema de dependência das mães e a consequente síndrome de abstinência dos bebês.

Marie Hayes, da Universidade do Maine, uma das autoras do estudo, diz que em 85% dos casos de bebês com síndrome de dependência as mães é que eram as viciadas em remédios que são vendidos com receita médica.
O editorial da revista, ainda segundo a BBC, diz que os opiáceos “oferecem um controle de dor superior”, mas que têm sido “receitados de forma exagerada, desviados e vendidos ilegalmente, o que cria um novo caminho para o vício e um problema de saúde pública materna e infantil”.

Diz o estudo que “não se sabe ao certo quais são os impactos de longo prazo para a saúde de bebês que nascem com sintomas de dependência”, mas algumas pesquisas “apontam um risco mais alto de problemas de desenvolvimento”. O que está comprovado é que os  “custos médicos são muito mais altos com esses bebês”.
Relatório da ONU divulgado em 23/6/2011 estimava que de 0,3% a 0,4% (de 850 mil e 940 mil pessoas) da população adulta (15 a 64 anos) da América do Sul fazia uso sem prescrição médica de opióides. No Brasil, o percentual está acima da média, chega a 0,5%.

O testemunho acima (uso do opiáceo por mim e pelo meu pai) é para confirmar o potente efeito analgésico desta droga e, também, para reafirmar que deve ser limitada e controlada a sua prescrição.

Mas, em nosso país, qual seria o índice de bebês “viciados”?