Blocos de Financiamento e o Conselho Nacional de Saúde
A República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal. Somos, por força da nossa Constituição, uma Nação. Pela mesma força, definimos que Saúde é um direito de todos e dever do Estado, que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único. A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, sendo exercida no âmbito da União pelo Ministério da Saúde, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios pelas respectivas Secretarias de Saúde.
Em tempos de abandono de categorias fundantes de nossa República, nada mais violento, cruel, covarde e desprovido de humanidade que abdicar da categoria Nação. A partir disso, ataca-se a soberania, a cidadania, a dignidade das pessoas; os valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e o pluralismo político degeneram e dão lugar ao servilismo, o compadrio, o coronelismo, o fundamentalismo, o monopólio e o colonialismo. A democracia sem soberania é impossível, mas para alguns ambas são desnecessárias. Como dizem “é só ideologia”.
As Conferências Nacionais de Saúde, o Conselho Nacional de Saúde, o Plano Nacional de Saúde deram contribuições que elevaram a categoria Nação para o processo civilizatório brasileiro. Revisitemos a contribuição da 8ª Conferência Nacional de Saúde para a nossa Constituição Federal: criar UMA REDE regionalizada e hierarquizada, UM SISTEMA único, A DIREÇÃO do Sistema Único de Saúde (SUS) É ÚNICA, a Nação é diversa e plural, porém é ÚNICA.
Em virtude da responsabilidade de presidir o Conselho NACIONAL de Saúde, que em seu regimento interno, no artigo décimo terceiro, inciso três, define como atribuição do presidente: “estabelecer interlocução com órgãos do Ministério da Saúde e demais órgãos do governo e com instituições públicas ou entidades privadas, com vistas ao cumprimento das deliberações do CNS”, venho através desta nota expressar algumas considerações sobre a Portaria 3.992 de 28/12/2017.
Venho a público manifestar minha discordância diante do anúncio feito em entrevista concedida pelo Ministro Ricardo Barros, no dia 28 de dezembro, referente à portaria 3.992 de 28/12/2017, que extingue os 6 blocos de financiamento (atenção básica, média e alta complexidade, assistência farmacêutica, vigilância em saúde, gestão do SUS e investimento) para as transferências fundo a fundo dos recursos federais do SUS para Estados e Municípios. No lugar destes 6 blocos, foram criadas duas categorias de repasse (erroneamente chamados de “duas contas”): custeio e capital, que ignoram duas Recomendações aprovadas pelo plenário do Conselho Nacional de Saúde: Recomendação 06, de 10 de março de 2017, e Recomendação 029, de 07 de julho de 2017.
Ao fazer essa mudança, o Ministério da Saúde está tentando colocar em prática o que foi pactuado na Comissão Intergestores Tripartite (CIT), mas sem obedecer as diretrizes da Lei Complementar 141/2012 para as mudanças de critério de rateio e sem encaminhar para deliberação do CNS, como também exige o inciso 1º do artigo 17º da Lei Complementar 141 para mudanças dos critérios de rateio. A forma do repasse financeiro representa um dos critérios de rateio, mas não é o único e, como tal, depende da análise e deliberação prévia do CNS, o que não ocorreu. Muito pelo contrário, nem as recomendações do CNS para um processo de transição com debate ampliado sobre o tema foi observada pelo Ministério.
A alegação de que ficam parados recursos bilionários nas contas bancárias, que somente foi possível identificar por causa das vinculações nos seis blocos, reflete um planejamento inadequado dos gestores e/ou um monitoramento inadequado do Ministério da Saúde, quando da pactuação na CIT: necessidades de saúde vinculadas a essas contas não foram atendidas ou, como já estavam 100% atendidas, não havia onde gastar o recurso? Não será com essa flexibilização que se resolverá esse problema da falta de planejamento e monitoramento das políticas de saúde, mas sim esse problema não aparecerá e será propagandeado como “gestão eficiente”.
Em tempos de queda de receita por conta da recessão e de queda de aplicação federal no SUS por causa da EC 95 nos próximos 20 anos, essa flexibilização atende aos interesses pragmáticos dos gestores.
O governo federal diminuirá sua responsabilidade no SUS e alegará o atendimento de demanda dos gestores estaduais e municipais. Já, governos estaduais e municipais terão flexibilidade para alocar os recursos no contexto da restrição orçamentária e financeira e da ausência de instrumentos adequados de monitoramento, inclusive de avaliação do cumprimento do Plano Nacional de Saúde e das diretrizes da 15ª Conferência Nacional de Saúde pelos gestores. O que acontecerá é que União, Estados e Municípios tenderão a realocar recursos do já frágil financiamento da atenção básica para a área em que o poder econômico e de pressão política está firme e fortemente representada – a média e alta complexidade.
Considerando o Princípio da Legalidade sob a ótica da Administração Pública, ao estabelecer que administrador público só poderá agir dentro daquilo que é previsto e autorizado por lei, estará o Conselho Nacional de Saúde, no ano de 2018, mais do que nunca atento ao cumprimento da Constituição Federal, da Lei 8080/90, 8142/90, da Lei Complementar 141 e principalmente da LOA 2018. Não abriremos mão do princípio da gestão participativa do SUS.
29 de dezembro de 2017
Ronald Ferreira dos Santos
Presidente do Conselho Nacional de Saúde