Boaventura: “Não haverá democracia enquanto houver capitalismo”
O sociólogo português Boaventura do Sousa Santos, esteve no Brasil para o lançamento de dois livros seus – “Se Deus fosse um ativista dos Direitos Humanos” e “Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento” –, ambos da Editora Cortez.
Rafael Zanvettor* | Caros Amigos
Caros Amigos: Como o senhor avalia as manivestações de junho e o processo que elas abriram no Brasil?
Boaventura de Sousa Santos: Para mim os protestos não foram propriamente uma surpresa, assistimos desde 2011 protestos caracterizados pela ocupação de ruas e praças de forma pacífica como a Primavera Árabe, os Indignados na Espanha e o movimento Occupy nos Estados Unidos. Para quem acompanha a situação brasileira como eu, era possível ver um certo mal-estar na sociedade civil brasileira, o que eu não podia prever e ninguém poderia prover, é que iria começar desta forma.
O mal-estar tem a ver com dois fatores, o primeiro é que a a presidenta Dilma ter se afastado de uma maneira forte do estilo do governo do presidente Lula, que era muito mais próximo dos movimentos sociais. Não que isso oferecesse uma resposta aos anseios desses movimento. A presidenta Dilma demostrou uma atitude de hostilidade em relação aos movimentos sociais e aos povos indígenas, uma mudança drástica em relação ao seu antecessor.
Mas Dilma, por outro lado, manteve uma política de distribuição de riqueza baseada em uma política econômica neoliberal. Portanto este mal-estar, resulta do fato de que essas políticas de inclusão social, compensatórias, não permitiram uma inclusão política, que fizesse com que as pessoas pudessem se sentir cidadãos ativos parar propor uma segunda geração de reivindicações, no sentido dos direitos universais, como na educação, na saúde, na previdência e no transportes público. Havia uma expectativa de uma sociedade mais inclusiva. O que houve foi uma inclusão social sem inclusão política. Eu tenho notado o envelhecimento dos participantes de políticas partipativas, os jovens não entraram nessa democracia participativa.
Estas duas razões foram as que estiveram na origem desse mal-estar, que foi como uma centelha que se incendiou no caso o aumento dos transportes. Como na Tunísia, que tudo começou com autoimolação de um trabalhador que lutava pelo direito do comérico de rua e acabou se transformando em uma manifestação contra a ditadura de Ben Ali. Os movimentos hoje se distinguem pela sua negatividade, sabem bem o que não querem, mas não sabem o que querem, e são movimentos que eu não considero movimentos sociais; eu chamo-lhes de presenças coletivas. O que há no mundo atualmente é uma guerra civil de baixa intensitade.
No que se distinguem as manifestações que aconteceram na Primavera Árabe, que não viviam sob regimes democráticos e os que aconteceram no Brasil, uma das maiores democracias do mundo?
A Primavera Árabe tem uma genealogia diferente. Ela nasce na degeneração dos governos nacionais populares. O Occupy foi nos países mais neoliberais do mundo, onde já há poucos direitos políticos e econômicos, pouca democracia. O caso do Brasil é o caso das jovens democracias, que saíram recentemente da ditadura, como Portugal, Espanha e Grécia, e que tiveram incrementos recentes nos direitos ao trabalho, ao transporte, à educação. No Brasil tudo isso aconteceu depois da ascenção do governo Lula. Esses jovens ainda têm uma esperança que uma democracia real possa ceder às suas reivindicações. Mas acham que a democracia atual não é real, porque a democracia atual está sendo derrotada pelo capitalismo. O dinheiro tomou conta das câmaras. E cada vez mais parace que a democracia, ao invés de limitar o capitalismo, está sendo limitada pelo capitalismo. No meu trabalho eu vejo que o que eles querem é que a democracia representativa seja apenas uma parte da democracia. Mas que além disso haja mais níveis de democracia participativa.
É possível viver em uma sociedade onde o capitalismo e a democracia possam coexistir de forma equilibrada?
Não acredito que haja equilíbrio entre democracia e capitalismo. Não haverá sociedade democrática enquanto houver capitalismo. O que se pode tentar é limitar o poder do capitalismo, com uma democracia mais robusta, que possa segurar o avanço do capitalismo até que o socialismo volte à agenda política, pois foi colocado pra fora da agenda desde 1989, e os partidos de esquerda foram isolados. No Rio Grande do Sul , o governo de Tarso Genro está a tentar uma democracia participatica no governo, que funcione a nível estadual, não só nos níveis municipais e federais, como acontece hoje. Temos de tentar criar uma democracia mais robusta.
As novas configurações politicas, como por exemplo o surgimento de uma esquerda forte na Grécia marcam um periodo fértil para a esquerda?
Sim, mas os partidos que crescem mais na Europa nesse momento são os de extrema-direita, portanto há aqui uma dinâmica nova, por isso digo que estamos entrando em uma guerra civil de baixa intensidade. Estamos entrando em um período que eu chamo de pós-institucional, as instituições estão aí, mas não funcionam direito. Como podemos ver ao que temos em relação às polítcas dos direitos dos povos indígenas e camponeses.
Estamos no momento da bifurcação, que pode tanto ir para um lado, quanto ir para o outro. E os cidadãos devem pressionar o governo para que tenham seus direitos respeitados. E para isso temos que ir para a rua. Daqui pra frente acredito que vamos ter democracias mais instáveis. E acho que cabe à classe política encontrar as soluções. Obviamente as populações nas ruas não fazem formulação política, mas a classe política, que o faz, tem o dever de escutar as revindicações das ruas e fazer formulações política sobre elas.
A presidenta Dilma viu isso e anunciou uma reforma política para a população, mas obviamente isso não acontenceu. Os setores conservadores da classe política barraram esse projeto. E, como estamos em um momento pré-eleitoral e os partidos voltaram a fazer a velha política, a dstribuir recursos para obras pelo País, e assim continuam a não atender às necessidades de inclusão política da população.
*é jornalista.