Brasilienses com menor poder aquisitivo fogem do atendimento do SUS

Mesmo sem a cobertura de um plano, optam pelos serviços privados. Com isso, empresas especializadas passaram a adotar tabelas com preços reduzidos

De 2,6 milhões de habitantes do Distrito Federal, cerca de 1,7 milhão — ou seja, 65% — não têm cobertura de plano de saúde, segundo a medição mais recente feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados mostram ainda que somente 803 mil moradores, o equivalente a 30,8% do total, possuem convênios. Ou seja, a maior parte da população paga do próprio bolso por consultas e exames ou recorre à rede pública. Números apontam ainda que os brasilienses que podem contar com a proteção de um plano situam-se nas faixas mais altas de renda (veja quadro). À primeira vista, portanto, parece que quem ganha menos está à mercê da demora e do atendimento médico deficiente do Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, a avaliação não é totalmente exata. No Brasil e no DF, os integrantes das classes C e D — com renda familiar entre R$ 804 e R$ 4.807 — estão buscando cada vez mais fugir da dependência do serviço público. São pessoas que colocam a saúde em primeiro lugar e estão dispostas a gastar dinhe ro com ela. Constituem um filão tão forte que passaram a fazer parte das estratégias de mercado de empresas especializadas no segmento.

Um exemplo de empresa que está investindo pesado nos consumidores classe C e D é o grupo Dasa, que atua na área de medicina diagnóstica. Com 18 marcas em todo o Brasil, a corporação reservou quatro para atuarem segundo o que chamam de padrão standard. Adotando uma política de redução nos gastos com uniformes e estrutura física — mínima, garante o grupo —, mas mantendo a qualidade no material utilizado nos exames, os laboratórios do tipo trabalham com uma tabela cujos preços são de 25% a 75% menores do que os dos centros de análise das marcas top de linha.

As marcas standard — ou populares — da Dasa são os laboratórios Pasteur, no Distrito Federal; Lavoisier, em São Paulo; Bronstein, no Rio de Janeiro; e Frischimann Aisengart, no Paraná. São 125 unidades no Brasil, 30 das quais ficam localizadas em Brasília e região. Elas responderam por um faturamento de R$ 16,2 milhões no terceiro trimestre do ano e cresceram 9,4% na comparação com o mesmo período de 2009. O desempenho do nicho em expansão superou o registrado pelas marcas das categorias premium e executivo do grupo que, juntas, cresceram 1,4%. Um estímulo mais do que potente para que a Dasa continue mirando os consumidores das faixas de renda mais baixas. O projeto da empresa para 2011 é oferecer vacinas a preços populares.

“Normalmente, nosso público das unidades standard é composto de autônomos, profissionais liberais, gente que está na economia informal ou que simplesmente não tem condições de arcar com um plano de saúde. Precisam de exames e resultados com agilidade, mas dependem do SUS”, relata Edmar Miniacci, diretor da Dasa no Centro-Oeste. De acordo com ele, o público mais visado pelas marcas populares é a classe C, com renda situada entre R$ 1,1 mil e R$ 4,8 mil.

Comportamento
A rede brasiliense de laboratórios Sabin, que tem 62 unidades no DF, em Goiás e na Bahia, também vem descobrindo a força do cliente das classes C e D. A sócia-diretora da empresa, Sandra Soares Costa, conta que no início dos anos 2000, ainda em caráter experimental, começou a ser implantada uma tabela de preços diferenciados para os consumidores que apresentassem pedidos de exames assinados por médicos da rede pública ou de hospitais universitários.

A política de descontos deu tão certo que, hoje, os consumidores que pagam preços até 50% mais em conta representam 7% do público total da empresa. Além disso, a experiência serviu para nortear a expansão da marca Sabin. Os laboratórios da rede estão presentes em regiões como Pedregal (GO), Valparaízo (GO), São Sebastião, Sobradinho, Recanto das Emas, Brazlândia, Ceilândia, Gama, Planaltina e outras, todas com grande parcela da população pertencente às classes C e D. “Entendemos que tínhamos um cliente em potencial, que precisava do serviço, e chegamos até ele. Temos uma interface com eles pela internet e vemos que o índice de aprovação é muito alto. O poder aquisitivo maior gerou uma mudança de comportamento nas pessoas”, acredita Sandra.

Valores atraentes

A alteração de comportamento trazida pelo aumento no poder de compra das classes C e D, hoje em dia vedetes do mercado (veja Memória), atingiu gente como o casal Vânia de Jesus Fonseca Beca, 50 anos, e Robson da Silva Beca, 48. A professora e o técnico da administração pública tomaram a decisão conjunta de desembolsar cerca de R$ 1 mil por uma tomografia para ela na unidade do laboratório Pasteur da QNA 30 de Taguatinga. “O médico falou que tem de ser em caráter de urgência, e o nosso plano de saúde não cobre. Não dá nem para pensar em recorrer à rede pública, porque a lista de espera é de três a quatro meses. Viemos aqui porque o preço pareceu razoável”, relata Vânia.

Já o economista Victor Hugo Rodrigues Santos, 36 anos, por enquanto nem cogita pagar plano de saúde. “Queria fazer para mim e para minha mãe. Mas, como ela já tem 78 anos, a cobertura para ela sai muito cara. Prefiro guardar o dinheiro e empregar em consultas e exames quando é necessário”, relatou ele. Como tem histórico de diabetes na família, Victor acompanha periodicamente o nível de glicose em seu sangue quitando à vista exames também no Pasteur de Taguatinga. Ele dá preferência à marca em razão da tabela barata. “Minha mãe fez ressonância magnética aqui por pouco mais de R$ 700. Pesquisei em outros lugares, e custava perto de R$ 1 mil.”

A dona de casa Edith Pereira dos Santos, 51 anos, nem pensa duas vezes quando o ginecologista do posto de saúde perto de sua casa, em Taguatinga, solicita algum exame. Vai direito ao laboratório Sabin da QNA 30, situado há alguns metros do concorrente Pasteur. “Foi a enfermeira do postinho que deu a dica. Pago valores de R$ 20 a R$ 50”, diz.

Além do setor de análises diagnósticas, clínicas também investem no consumidor de renda mais baixa como cliente no DF. Uma, situada em um dos edifícios do Conic, no Setor de Diversões Sul, chega a oferecer consultas a R$ 60, e o exame mais caro que realiza — doppler colorido de carótidas e vértebras — custa R$ 200. O local, com médicos de todas as especialidades, vive lotado. A estrutura física não é luxuosa, mas os pacientes garantem estar satisfeitos com o atendimento. O Correio tentou falar com a médica responsável pela clínica particular, mas ela alegou que estava ocupada e que não poderia dar entrevista.

Fonte: Correio Braziliense (Mariana Branco)