CADERNOS CRIS 10-21 – Informe quinzenal sobre Saúde Global e Diplomacia da Saúde
Produção coletiva dos trabalhadores do CRIS-FIOCRUZ
Rio de Janeiro, 17 de junho de 2021
SUMÁRIO
Apresentação – Paulo M. Buss e Pedro Burger
A Cúpula do G-7 ou a precariedade insustentável de seus resultados – Santiago Alcázar
Resposta da OMS e OPS à Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Luiz Augusto Galvão
A pandemia, a OMS e um movimento de mudança – Paulo M. Buss, Santiago Alcázar e Luiz Augusto Galvão
Sobre o Conselho de Direitos Humanos da ONU e Movimentos Sociais que atuam no âmbito da Saúde Global – Armando De Negri Filho
G77, MNA e cooperação sul-sul na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Regina Ungerer
Em busca de sustentabilidade nos esforços de recuperação socioeconômica: G20 na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Paulo Esteves, Pedro Burger e Thaiany Medeiros Cury
Recuperação econômica à vista, ainda que incerta: A OCDE na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Pedro Burger, Júlia Abbud e Lucca Rizzo
Instituições Financeiras Multilaterais na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Isis Pillar Cazumbá
O Centro de P&D de Vacinas do BRICS e a negociação na OMC: BRICS na saúde global e diplomacia da saúde – Claudia Hoirisch
América Latina e Caribe na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Sebastián Tobar, Miryam Minayo e Carlos Linger
África na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Augusto Paulo Silva e Felix Rosenberg
Licenças para negociar: a reposta da Europa à Covid-19 – Ana Helena Gigliotti de Luna Freire
EUA na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Luiz Augusto Galvão
China na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – André Lobato
Produção local de vacinas: Desafio global – Akira Homma e Beatriz Fialho
Covid-19, Acordo TRIPS e Flexibilidades – Claudia Chamas
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RESPOSTA DA SAÚDE GLOBAL E DA DIPLOMACIA DA SAÚDE À COVID-19 Uma visão do ponto de vista socioeconômico, diplomático e sanitário
Apresentação
Paulo M. Buss e Pedro Burger, Centro de Relações Internacionais em Saúde Fundação Oswaldo Cruz (CRIS/Fiocruz)
Passados cerca de 15 meses desde que a OMS declarou a Covid-19 como uma pandemia – o maior problema de saúde global dos últimos 100 anos da história da humanidade – a diplomacia da saúde enfrenta um momento crucial, no qual o sistema multilateral, organizações intergovernamentais, sociedade civil e países, fazem extensa revisão do que tem sido a resposta global à pandemia para traçar possíveis novos rumos.
A 74ª. Assembleia Mundial da Saúde (24/05-01/06), o Global Health Summit do G20 (21/05), a Cúpula do G7 (11-13/06) e o statement conjunto da OMS, FMI, OMC e Banco Mundial (01/06), além da continuação das negociações sobre flexibilização de patentes na OMC, foram os espaços diplomáticos multilaterais que marcaram o cenário global nas últimas três semanas, ao realizarem balanços e proporem medidas para o enfrentamento da pandemia.
Foram nestes espaços multilaterais de alta densidade política que desembocaram os grandes desafios econômicos, sociais e sanitários que se acumularam no já longo e sufocante tempo de vigência da pandemia. A partir deles, os entendimentos (e desentendimentos) se projetam nos outros cenários que analisamos neste Informe.
A Cúpula do G7, na sua reunião da Cornuália, adotou surpreendente proposta de taxação corporativa global, mas teve resultados imediatos decepcionantes no campo da saúde global. Reunindo as maiores economias do planeta, esperava-se mais do que a anunciada disponibilização de apenas 1 bilhão de doses de vacinas nos próximos 18 meses (das estimadas 11 bilhões de doses necessárias para uso mais imediato, visando de fato alcançar um grau mínimo de controle global da pandemia). Ignorou o pedido de US$ 50 bilhões feito em conjunto pela OMS, FMI, OMC e Banco Mundial e omitiu-se quanto a questão da flexibilização das patentes em discussão na OMC. A declaração oficial sobre saúde e o documento técnico sobre o enfrentamento ‘de futuras pandemias’ (100 Days Mission) são bons, mas pergunta-se se o G7 cumprirá os compromissos assumidos em meio as águas azuis e cristalinas de Carbis Bay no futuro, considerando a resposta decepcionante para o hoje e o agora da pandemia.
Ficaram claras as insuficiências práticas do G20 Saúde e do G7 quanto às medidas de apoio para o enfrentamento da pandemia entre os países em desenvolvimento, persistindo a assimetria de recursos e a ‘caridade’ mais que a ‘solidariedade’, fortalecendo, por contraste, a diplomacia da saúde de China e Rússia que perseguem suas próprias projeções geopolíticas.
Vários fóruns mundiais continuam reagindo positivamente às resoluções adotadas no âmbito da Organização Mundial da Saúde (OMS), pela 74ª Assembleia Mundial da Saúde, inclusive pelo G7, que emitiu declaração de ministros da saúde e dos próprios líderes em apoio à OMS e vários pontos das resoluções relacionadas ao controle da pandemia.
Dia 9 de junho, foi lançada a primeira nota do Conselho da OMS sobre Economia da Saúde para Todos, liderado por Mariana Mazzucato, que pretende contribuir para “moldar a economia com o objetivo de construir sociedades saudáveis, justas, inclusivas, equitativas e sustentáveis”. Esta primeira nota intitula-se “Governando a inovação em saúde para o bem comum” (ver em: https://www.who.int/publications/m/item/council-brief-no-1)
Na próxima semana, de 21 a 25 de junho, a OMS realiza o importante Fórum Mundial sobre Produção Local. Akira Homma preparou um informe sobre o tema, que integra este Informe 10-21. No dia 7 de julho, repercutindo as conclusões do Fórum, o CRIS realiza o Seminário Avançado sobre ‘Produção local em saúde frente às emergências globais’. Mariângela Simão, que coordena o Fórum da OMS, participará do seminário como painelista principal.
A produção local tem sido uma estratégia relevante para que países em desenvolvimento possam assegurar a sustentabilidade de longo prazo dos programas de imunização e para a autonomia tecnológica e industrial. A pandemia da COVID-19 trouxe novos contornos a esta questão, e destacou a importância e necessidade do fortalecimento de capacidades locais e regionais para o rápido acesso às vacinas e de forma equitativa, principalmente em pandemias e surtos. Veja o artigo completo sobre o tema, preparado por Akira Homma e Beatriz Fialho, nossos convidados especiais para este informe, a partir da página 70.
A Organização Pan-americana da Saúde (OPS) está se preparando para a reunião do Comitê Executivo, de 21 a 25 de junho de 2021. Será uma oportunidade para que a repartição regional da OMS tome conhecimento oficial das resoluções globais e estabeleça novos rumos regionais em resposta aos desafios identificados. O CRIS acompanhará a reunião e reportará seus resultados no próximo informe.
No âmbito do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CD-UN) o maior destaque do período recai sobre a realização, entre 21/06 e 15/07, da 47ª Sessão do CD-UN e, em particular, na apresentação do Informe da Alta Comissária Michele Bachelet, sobre ‘’O papel central do Estado na resposta às pandemias e outras emergências em saúde, e às suas consequências socioeconômicas, no avanço do desenvolvimento sustentável e na realização de todos os direitos humanos’’ (A/HRC/47/23). Tal informe sintetiza um abrangente painel dos direitos afetados pela pandemia em um mundo cada vez mais desigual, e aponta um conjunto de medidas a serem adotadas pelos Estados nacionais e pela cooperação internacional para enfrentar, mediante ações equitativas, os efeitos deletérios que aprofundam as iniquidades mundiais.
Desde a visão da sociedade civil global, que exerce um olhar crítico sobre os processos em curso, projetam-se as análises sobre os conflitos entre blocos de países, nos quais a Europa (sob a égide da Alemanha) tenta liderar a saúde global com uma pauta conservadora no âmbito da propriedade intelectual e dos seus interesses políticos e econômicos. Neste contexto, observa-se o DG da OMS buscando nesta mesma Europa apoio para sua reeleição e sustentação econômica da Organização, apesar das contradições que isso implica e dos compromissos que isto pressupõe. Digno de nota o trabalho de Ortiz e Cummings, que documenta que 159 países do mundo adotarão ou manterão, entre 2021 e 2022, políticas de austeridade, quando o que o mundo mais precisa é de solidariedade e fortalecimento do papel dos Estados.
O Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul realizou a Reunião do Comitê de Alto Nível das Nações Unidas sobre Cooperação Sul-Sul, que está reportada nesta edição do Informe e será debatida no Seminário Avançado do CRIS sobre ‘Diplomacia da Saúde e Cooperação Sul-Sul’, dia 23 de junho próximo. A partir da Reunião, os Estados Membros continuam no enfrentamento das dificuldades provenientes da pandemia da Covid-19, enquanto buscam alcançar os ODS da Agenda 2030, valendo-se inclusive da cooperação Sul-Sul, inspirada nas recomendações do documento final do BAPA + 40.
O G-20 realizou nesta quinzena dois eventos relevantes, envolvendo os setores público e privado: o primeiro, sobre investimentos em infraestrutura, promovendo o financiamento de infraestruturas sustentáveis para a recuperação socioeconômica; o segundo, sobre transição energética e sustentabilidade climática, promovendo conceitos de segurança e eficiência energética, e a desvinculação de crescimento econômico das emissões de carbono.
A OCDE, por seu turno, dá especial destaque para a necessidade de cooperação e coordenação para vacinação mais rápida e eficiente em todo o mundo, para promoção de desenvolvimento e recuperação econômica. O Relatório de Perspectiva Econômica Global 2021, aponta a retomada do crescimento, mas com incertezas decorrentes das variantes virais e vacinação desigual. Destaque também para o aprofundamento do tema da saúde mental, com relatório que aponta a melhoria da atenção nessa área como positiva para a retomada do crescimento.
É de senso comum que para o retorno da economia e das demais atividades é necessário que a população mundial esteja vacinada em estágio avançado. Porém, o desafio é como os países em vias de desenvolvimento poderão ter acesso as vacinas. Durante as duas últimas semanas, o FMI e o Banco Mundial, associados com a OMS e a OMC, pediram apoio internacional para levantar recursos que terão como destino a promoção da vacinação nestes países. Já o BID focou em iniciativas para promover o saneamento básico regional.
Na recente reunião dos Ministros de Relações Exteriores dos BRICS os chanceleres finalmente decidiram sem mais atrasos pela operacionalização efetiva do Centro de P&D de Vacinas dos BRICS (CPDV/BRICS). Ainda na reunião virtual, reafirmaram a necessidade de apoiar a proposta em andamento na OMC sobre o waiver dos DPI da vacina da Covid-19 e o uso de flexibilidades do acordo TRIPS e da Declaração de Doha sobre o Acordo TRIPS e Saúde Pública. O apoio à isenção na OMC pode ser uma virada de jogo para o grupo.
Enquanto isso, os debates sobre a flexibilização das patentes continuam na OMC com grandes dificuldades de acertos para avançar com o tema. Prejuízos gerais à vista? Para apresentar uma análise crítica atualizada sobre o tema, convidamos Claudia Chamas, pesquisadora do CDTS/Fiocruz, que preparou um informe especial, que pode ser acessado a partir da pg. 67.
A região da América Latina e Caribe tem avançado de forma muito irregular no processo de imunização. Enquanto países como os Estados Unidos estão praticamente retomando a normalidade, há países na América Central cuja vacinação ainda engatinha. Em 4 de junho aconteceu a Segunda Reunião do Subgrupo Imunizações/Grupo de Saúde PROSUR, com a presença de pontos focais do Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e representantes do BID. No dia 11 de junho, foi realizada a XXXIX Reunião de Ministros e Ministros da Saúde da Área Andina, com a presença dos Ministros da Saúde da Bolívia, Chile, Equador e Peru, e Vice-Ministros da Colômbia e Venezuela. No dia 16 de junho, vai ter lugar a XLVIII Reunião de Ministros de Saúde do Mercosul, cuja declaração já está em negociação. Por fim, foi destacado no presente relatório o debate no âmbito do Mercosul a respeito da reabertura das fronteiras entre os países membros bloco.
Diante do aumento de novos casos na África, os Estados-Membros das cinco regiões do CDC África, que compõem a União Africana, vêm concentrando as energias na vacinação da população e na mobilização de parceiros internacionais para o suprimento de vacinas, no fortalecimento dos sistemas nacionais de saúde e na atenção ao próprio processo de integração regional, considerado fundamental para ações conjuntas e coordenadas de resposta à pandemia e seus efeitos econômicos e sociais.
A União Europeia está sob os holofotes desde que os EUA anunciaram apoiar a flexibilização dos direitos de propriedade intelectual na OMC, movimento que agitou ainda mais a agenda internacional. Sua posição é pelo licenciamento voluntário ou compulsório e o bloco está disposto a negociar. A declaração da recente reunião do G7, assinada por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, fez apenas menções indiretas ao tema. Enquanto isso, a OMS Europa expressa preocupação com a proximidade do verão e o relaxamento das medidas não farmacológicas.
Os Estados Unidos continuam no seu processo de saída lenta e progressiva da pandemia, com avanço das doses de vacinas aplicadas, mas com um número ainda elevado de mortes (600 mil óbitos, o maior número absoluto do mundo). Fez bonito no G7, ao tornar-se o maior doador de doses – ainda que devesse ter pilotado uma resposta mais enérgica do Grupo, mas parece que recuou nas suas posições quanto à flexibilização das patentes nas negociações da OMC.
A China, que na reunião do G7 teve o papel Godot, personagem do teatro do absurdo de Beckett, reagiu às muitas admoestações feitas pelos integrantes do grupo. A principal reação talvez trate da inutilidade de reuniões sobre a China sem a China.
Pelo tema que pretende enfrentar, o financiamento da implementação dos ODS, merece destaque o lançamento do Informe 2021 da Sustainable Development Solutions Network (SDSN), liderada por Jeffrey Sachs, no dia 14/06, intitulado Sustainable Development Report 2021: The Decade of Action for the SDGs (https://s3.amazonaws.com/sustainabledevelopment.report/2021/2021-sustainabledevelopment-report.pdf)
Longa quinzena que passou atropeladamente no tempo político, deixando marcas para o que pode ser a diplomacia da saúde, isto é, o campo das negociações em torno das questões mais relevantes da saúde global nestes tempos de pandemia pela Covid-19.
Esperamos que a leitura deste informe proporcione ao leitor a mesma satisfação que trouxe aos seus autores, profissionais do CRIS/Fiocruz e convidados muito especiais, que participaram da confecção deste Informe. Como sempre, seus comentários e sugestões são muito benvindos.
Rio de Janeiro, Manguinhos, 17 de junho de 2020